terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lá parte III

- Mãe, continua a história?
- Só até um de vocês dormir.
- Tá bom!
- Ebaaaaa!
- Se querem ouvir, os dois deitados e cobertos.
- Enzo coloca a meia, vai!
- Rico, deita para eu te cobrir.
- Onde foi que eu parei mesmo?
- Ele ia levar a moça do cabelo de trigo naquele lugar mãããe!
- Isso mesmo mãe! Você não lembra?!
- Lembro filho. É que vocês dois me deixam maluquinha!
- Bom, a Moça dos cabelos de trigo aceitou o convite para ver os dois mares. O criado pela natureza e os olhos do Moço que cura. Ele tinha os olhos iguais aos de vocês.
- A noite caiu e ela estava mais bonita do que nunca. As unhas vermelho escarlate contrastavam com sua pele branca. Usava um vestido verde quase da cor de seus olhos e eles pareciam brilhar mais ainda.
- O Moço que cura chegou no horário. Ela se atrasou um pouquinho. Ele não ligou muito. Até disse a ela que valera cada minuto.
- Mãe, é como nas histórias de conto de fadas. Ele não veio em um cavalo branco, mas tava de branco. Que nem o papai!
- Isso filho.
- Eles conversaram a noite toda como se já se conhecessem há tempos. Deram boas risadas, brincaram e depois caminharam lado a lado na beira do mar, apesar do frio. Ele percebeu que ela sentia a friagem e segurou em seus braços. Foi assim que eles deram seu primeiro beijo.
- Rapidamente o Moço que cura curou o coração da Moça dos cabelos de trigo. A cada dia ficavam mais juntos. Diferente dela e do Moço do coração de pedra. E quanto mais ficavam juntos mais vontade tinham de se ver.
- E é isso!
- Mãe, a história acabou?
- Não filho, ela ainda está acontecendo. E é por isso que eu tenho que parar por aqui. Porque não sei o que vai acontecer amanhã.
- Mãe, e o Moço do coração de pedra?
- Ah filho, ela nunca mais quis saber dele. O excluiu da vida dela, totalmente. Guardou tudo o que a fazia lembrar ele em uma caixinha preta e enterrou naquele lugar. Embaixo da árvore mais bonita com a esperança que ela florescesse e com as flores voltasse a dar vida àquele coração de pedra. Rezou para que um dia ele fosse feliz como ela era e que conseguisse ver os erros que cometeu. Para que se tornasse uma pessoa melhor e alegre.
- Ela nunca mais o viu?
- Não, Nunca! Mas um dia ela me contou que teve um sonho. Assim como tudo na vida dela, ela via as coisas nos sonhos. E no sonho ela o encontrava. Ele ainda era infeliz.
- Mãe, se ela sonhava com as coisas, porque ela não via as mentiras?
- Ela viu filho e foi por isso que acordou e foi embora. No sonho ela viu até os nomes. Ela sabia de tudo.
- Nossa mãe, esse Moço foi um bobo, né?!
- Foi sim filhote, mas o que importa é que a Moça dos cabelos de trigo é feliz como nunca foi.
- Ai mãe, que bom! Eu já gosto dela sem conhecer.
- É mesmo filho, por quê?
- Uma pessoa tão bonita, alegre e que traz tanta felicidade, não tem como não gostar.
- É filho, eu sempre gostei dela.
- Mãe, porque as pessoas fazem isso?
- Isso o que filho?
- Mentem, brigam, tratam as outras mal?
- Por que não tem amor no coração. São egoístas e só olham para si. Não sabem que quando você faz uma pessoa feliz você ganha felicidade em dobro.
- Mãe, eu te faço feliz?
- Mais que tudo! Desde o momento em que eu soube de você. Aliás, de vocês.
- Ouviu Rico, Nós fazemos a mamãe... Rico! Dessa vez foi você que dormiu!
- Eu tô escutando, só tô de olhos fechados. Pra descansar as pálpebras. Que foi? Verdade!
- Mãe, será que um dia eu posso conhecer essa sua amiga?
- Um dia eu a apresento para vocês, e vocês vão ver como ela é feliz com o Moço que cura.
- E eles voltaram para aquele lugar?
- Ainda não. No inverno eles vão ver a neve em um país que se fala enrolado.
- Ela já ia, ele decidiu ir com ela, só para não ficar longe de seu sorriso.
- Nossa mãe, que legal! E ela não vai ficar longe do mar!
- É filho, do mar!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Lá Parte II

- Enzo! Enrico! Vão escovar os dentes e já para a cama!
- Mas mãe!
- Nada de “mas”, eu to acabando de trocar a Alice e já vou cobrir vocês.
- Tá, mas a Tandy acabou!
- Não acabou nada filho, vá até o meu banheiro e pega a minha.
- Enzo, será que hoje a mãe conta de novo aquela história?
- Ah, Rico! Pede você, da última vez eu Dormi e ela ficou brava.
- Eu peço, mas não vale dormir no meio dessa vez.
- Pode deixar, eu nem tô com sono.
- Meninos! Já escovaram os dentes?
- Já sim mãe! E já deitamos, vem dar um beijo na gente!
- Boa noite pra vocês e tratem de dormir logo!
- Mããããããe!
- Fala Rico!
- Conta pra nós aquela história novamente? O Enzo promete que não vai dormir dessa vez.
- Ah, é? E se ele dormir eu posso acordar ele com um balde de água fria?
- Pode mãe! Eba! O Enzo vai tomar banho de água friaaaaa!
- É, mas como você que me pediu Rico, o finalzinho é seu!
- Ah, mãe! Assim não vale!
- Tá bom, eu vou contar, prestem atenção!
- Há algum tempo eu conheci uma garota. Sua pele era clara como o amanhecer e macia como algodão. As unhas sempre bem feitas pintadas de vermelho escarlate. Vocês já viram um campo de trigo?
- Não mãe, você já viu Enzo?
- Não que eu me lembre Rico.
- Então, imaginem um lugar todo dourado, onde o vento bate e os maços se movem de um lado para o outro. É lindo! E assim eram os cabelos dela. Dourados como um campo de trigo. Às vezes liso outras vezes ondulados. Variava conforme acordava, apesar de sempre ter bom humor.
Seus olhos pareciam duas esmeraldas. Tinha uma beleza que não parecia real. Era alegre e cativante. A personalidade forte e a sinceridade eram seus traços marcantes. As pessoas que se aproximavam dela não conseguiam ir embora rapidamente. Difícil falar dela sem a conhecer realmente. Ela é um daqueles casos que se você não conhece não tem uma idéia real do que ela é.
- Mãe, você conhece ela?
- Conheço sim. Não ouviu no início da história?
- Ouvi, mas ela é de verdade mesmo?
- É sim Enzo.
- Duvido que ela seja mais bonita que você!
- É mãe, outro dia no posto de gasolina eu ouvi o que aquele moço disse!
- É mesmo filho? E o que foi que ele falou?
- Que a senhora era tão bonita que até assustava!
- Eu também ouvi mãe e falei para o papai, quando nós voltamos lá ele fez cara feia para o moço e eu também!
- Ai meninos, vocês são impossíveis! E Deus me deu em dobro! Dois de uma vez!
- Conta mãe! Continua, vai que o Enzo dorme e eu vou ficar todo molhado.
- Tá. Então, ela era a alegria em pessoa. Seu sorriso iluminava os lugares em que passava. Um dia ela conheceu um moço. A princípio parecia divertido e gostar das mesmas coisas que ela. Algumas vezes a deixou triste e a fez desconfiar se ele era aquela pessoa que demonstrou no início. O tempo foi passando e ela pouco convivia com ele, mas gostava dele como se passassem horas juntos todos os dias. Mas por um golpe do destino ele foi para longe, e o que já era pouco passou a ser quase nada. E ele começou a demonstrar ser uma pessoa estranha, má, a fazia chorar sempre. Foi então que ela teve uma idéia. Conhecia aquele lugar e sabia o que ele poderia fazer por uma pessoa.
- Mãe, fala um pouquinho de lá pra gente?!
- Lá é um lugar mágico. As pessoas sentam na grama, fazem picknick, correm por entre as árvores.
- Até mães e pais?
- Até filho! Pessoas de todas as idades. Lá não tem isso de “você não tem mais idade pra fazer tal coisa”. Lá as pessoas aprendem a viver melhor, a resgatar a alegria perdida, a ser criança novamente. Porque ser criança é a melhor coisa do mundo. Mas lá você pode ter qualquer idade e ainda assim fazer tudo o que uma criança faz.
- Ai mãe, eu sempre quero voltar lá!
- Então, mas o moço sempre estava ocupado demais para ir para lá com ela, sempre dava uma desculpa. Ela percebia que com o passar do tempo ele piorava, tratava pior as pessoas a sua volta, a fazia chorar mais vezes, mentia para ela e a enganava. Não estava feliz com nada que ele comprava, sempre queria mais e mais.
- Ela foi perdendo alegria de viver, pouco sorria e quando estava com ele procurava alternativas para que ele se alegrasse. Mas como uma maldição, nada o que ela fazia o deixava melhor. Ele se irritava com sua risada, com seu jeito, com suas roupas, com a vida.
- Ela não entendia e a cada dia que passava se esforçava mais para que ele melhorasse. Até o dia que ela parou e percebeu que ela não era o problema. Por onde passava as pessoas se aproximavam dela. Até os animais ficavam contentes ao vê-la. Foi aí que descobriu que o problema era ele. Ele havia virado um homem com o coração de pedra. Uma pessoa que sentia prazer em enganar as outras, se aproveitava das situações, e isso a fazia sofrer muito.
- Mãe, você conheceu ele?
- Não filho, não conheci não. Sei dele pelo que ela conta.
- Que bom mãe! Ele devia ser feio, né?!
- É Enzo, ela dizia que ele era bonito, mas com o tempo e as maldades foi ficando feio.
- Ai mãe, por isso que você é tão linda, você é a mãe mais boa do mundo!
- Não é mais boa, é melhor!
- Tá mãe, pára de corrigir e conta!
-Enzo!
- Desculpinha!
- Um dia, no fim do outono, ela acordou ao seu lado e o viu amargo e rude como sempre e se perguntou o que ela ainda fazia a seu lado. Ela que era só alegria, que amava a vida e tudo o que ela podia proporcionar. Amava o sol, a chuva, o vento, o mar.
Levantou, cansou de todas suas mentiras, enganações, maldades. Cansou de chorar por algo que não mudaria nunca. Cansou de insistir para ele ir ao lugar que ela tanto queria lhe mostrar. Levantou e foi embora. Sem dizer uma palavra. Calada. Nenhuma frase faria sentido. Então virou as costas e foi ser feliz. Deixou-o e foi para o lugar, sozinha mesmo.
- Mãe, pode morar lá?
- Não filho, já disse que não pode. Mas quando as pessoas estão muito tristes e machucadas o dono de lá deixa a pessoa passar férias lá.
- Ah, então quando eu cair e você colocar band-aid e não melhorar eu também vou querer passar férias lá!
- Enzo, não é desse tipo de machucado que eu tô falando. Espero que você nunca se machuque a ponto de precisar passar férias lá.
- Ah mãe, mas por quê?
- Um dia você vai entender filho!
- Então, ela foi passar umas férias lá. Ficou alguns dias e voltou para casa. No caminho, quando estava quase chegando em casa, bateu o carro.
- Mãe, ela se machucou? Dessa parte eu não lembrava!
- Claro, você dormiu seu bobo!
- Bobo é você!
- Meninos! É a última vez que eu peço!
- Tá mãe, desculpa!
- Foi mal mãe!
- Bom, ela não se machucou muito, mas mesmo assim foi para o hospital. Sua cabeça tinha um corte e precisava de curativos.
- Ao chegar no hospital, um moço de branco veio atendê-la. Ela não sabia se ele era médico ou enfermeiro. Mesmo assim ele foi muito gentil com ela. Limpou e tratou de seus machucados. Ela não conseguia tirar os olhos de seus olhos. A fazia lembrar o mar daquele lugar. Foi quando percebeu que não podia mais ficar. Lembrou porque havia voltado e pediu para o moço a liberar. Era aniversário de sua irmã mais velha. O moço disse que não via problemas, ela já havia feito todos os exames e ela estava liberada.
Com um pulo da maca chegou ao chão. Limpou a roupa, colocou a mão no curativo e agradeceu ao moço com um de seus sorrisos. Ele estava Bobo de ver como uma moça machucada que acabara de sair de um acidente estava tão bonita e feliz.
A Moça dos cabelos de trigo saiu da sala e com um passo apertado se foi pelo longo corredor que marcava 2B em uma placa.
- No dia seguinte pela manhã, ao sair do banho, ouviu seu celular tocar. Correu até ele e o atendeu. Do outro lado uma voz familiar, mas ainda assim não conseguiu identificar quem era.
- Bom dia – disse ela – quem fala?
- É a moça que se acidentou ontem?
- Sim, sou eu. Pois não, quem quer falar?
- Eu sou o médico que fez os curativos em você. Estou te ligando para saber se você está bem!
- Nossa, não sabia que os médicos desse hospital eram tão atenciosos! Sim estou bem e o curativo está perfeito. Obrigada!
- Bem fico feliz em saber que fiz meu trabalho bem feito.
- Sim, muito mesmo.
- Sabe, você não está sentindo falta de nada?
- Vai me dizer que eu perdi um de meus parafusos em sua maca?
- Hum, seria bom! Assim eu teria a chance de colocá-los de volta e receber o sorriso mais lindo que já vi até hoje.
- Obrigada! Mas do que eu teria que sentir falta?
- Uma caderneta azul com um burrinho na frente.
- Nossa! Nem percebi! Acho que foi por causa da batida e pela correria.
- Estou com ela e gostaria de lhe devolver.
- Muito obrigada! Como eu faço para pegar? Você pode deixar na recepção do hospital para mim?
- E perder a chance de ver seu sorriso? Jamais!
- Então, não sei! Como fazemos?
- Bom, eu adoro o mar e olhar para ele e tudo mais. E conheço um lugar em que posso olhar para ele e ver o seu sorriso novamente.
- Eu também gosto do mar, mas onde fica esse lugar?
- Deixa eu te levar?
- Ok, você está com um bem meu muito precioso, não estou em condição de negar nada!
- Pela sua ficha já sei onde você mora, pode ser às 21 horas?
- Nossa o trabalho de investigação foi completo! Ok!
- Um bom médico faz o acompanhamento completo de seu paciente!
- Mãe! Ele já conhecia o lugar?
- É filho, parece que sim!
- Que massa mãe! E ele que levou ela lá!
- Foi filho, foi ele. Você viu? Ela querendo levar o moço do coração de pedra lá e o moço que cura a levou.
- Ai mãe, eu quero ser médico. Já queria por causa do papai, mas agora quero mais ainda!
- Rico, o que você quer ser quando crescer?
- Diferente de você! Não agüento mais olhar para você e me ver!
- Rico!
- É brincadeira mãe! Eu adoro ser igual ao Enzo! Dá pra aprontar mais e por a culpa nele! Brincadeirinha mãe!
- Ai, ai! Que bom que vocês gostam, porque eu amo vocês serem assim.
- Sempre foi o meu maior sonho!
- Bom, vou parar a história por aqui, amanhã eu continuo.
- Não mãe! Não!
- Nada de não, já é tarde e amanhã vocês dois têm que acordar cedo para ir à escola.
- Boa noite meus meninos! Amo vocês!
- Também te amamos mãe!
- Enzo!
- Fala Rico.
- Como será que acaba a história?
- Não sei Rico, mas eu sei que vai ter um final feliz, a Moça do cabelo de trigo merece!
- Boa noite, Enzo!
- Boa noite Rico!