terça-feira, 11 de outubro de 2011

Batidas na porta da frente


Eu posso, ele não vai poder me esquecer

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Vinte e nove

Hoje, dia 29, aniversário da Lebre de Março. Alice não sabia mais por onde ela andava, e para falar a verdade, nem a interessava mais o seu paradeiro, mas Alice decidiu lhe dar os parabéns. E se desculpar também, por tudo o que fez, e o que deixou de fazer.
Por ter sido tudo em um dia, e em outro nada. Pelas horas de espera. Por ter tido com ela toda a paciência do mundo. Gostaria de agradecer pelas pequenas coisas, e pelas grandes também. Pelos damascos secos que foi buscar em uma de suas viagens à Babilônia. Por tê-la feito sorrir tantas vezes. Por tê-la ensinado a gostar de Korn. Pelas noites de filme de terror. Pelas gargalhadas que a fazia dar quando levava um susto. Pelo pão feito no tostex levado na cama todas as manhãs. Por levá-la até a cama em seu colo quando Alice adormecia no sofá e ficava mal-humorada ao ser acordada.
Decidiu se desculpar por fazer a Lebre de Março acreditar em Deus novamente. Por ter-lhe iludido com um amor que não era capaz de corresponder. Por não ter compreendido antes, que amar é simplesmente estar ao lado, sem motivos. Alice Pedia desculpas por ter feito aquele ser sofrer tantas vezes. Pelas mentiras e pelas verdades também. Por sua ausência e por sua presença. Agradecia por tê-la tornado Alice. Por fazer Alice entender que é mortal. Por ter despertado naquela menina, a mulher que ela é hoje. Por ter dado à ela um lado humano, que era até então desconhecido. Por tê-la ensinado a falar besteiras e comer bobagens. Por ter-lhe mostrado o lado negro da vida. E a fazer enxergar que até nas trevas existem cores. Por ensinar Alice a sorrir para as pessoas na rua. Por ajudar Alice entender o que ela quer e saber o que ela realmente não quer para sua vida. Alice dá os parabéns para uma Lebre que existiu em um passado bem distante, não para a Lebre de hoje. Alice só quer parabenizar a Lebre de Março pelo seu aniversário, e, dizer que em todos os dias de sua vida Alice vai se lembrar do que a Lebre fez por ela e para ela.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Olho por olho


Quando Alice entrou na sala a Sombra tocava lentamente os dedos em cada boneco exposto na estante, como se pudesse com aquele movimento extrair deles alguma resposta.
- Tire as mãos daí! - Pensa que eu não a estou vendo?
Alice gritou com a Sombra para que ela a obedecesse prontamente. Com o susto a Sombra deixou um dos pequenos bonecos cair no chão. Com a queda ele se partiu, separando a cabeça do resto do corpo.
- Viu o que fez? Sabia que isso iria acontecer! Sempre que eu entro aqui você está mexendo neles. Eu finjo que não vejo e você se esconde em algum canto!
A Sombra já havia se metido em alguma brecha escura desaparecendo. Deixando para Alice limpar toda aquela bagunça.
- Veja se pode! Sei que está Aí! Por isso ouça com muita atenção!
Alice estava brava e enquanto falava abaixou-se para recolher os cacos que estavam no chão. Tentava montar, como se fosse um quebra-cabeça, aquela figura que agora estava decaptada.
- Não quero mais ver você mexendo nas minhas coisas! Se quiser me visitar tudo bem, mas de hoje em diante vai ter que entrar e pedir permissão. Pare de fazer tudo escondido. Se quiser me perguntar algo então faça!
A Sombra foi saindo lentamente de onde havia se escondido e aparecendo novamente para Alice.
- Não sei o motivo de você fazer isso! Fale algo pelo menos! Fica deixando recados e coisas quebradas pelo chão. Você acha que isso me agrada? É claro que não! Fora que é menos um para a minha coleção! Olha, você me deixou realmente brava!
Alice dirigiu-se até um armário branco de contornos azuis, abriu a porta e tirou de uma das prateleiras um pote de cola. Passou pela porcelana aquela gosma branca e tentou juntar o corpo com a cabeça.
- Me diga! Gostaria se fosse com você? Que ficassem remexendo nas suas coisas? Pelo menos me diga o que quer, horas bolas!
A Sombra agora olhava assustada para Alice, que segurava a cabeça do pequeno boneco para tentar fixá-la ao seu corpo.
- E por que sempre eles? O que você tem a favor deles? Nem sei o motivo de eu estar perguntando, como sempre você não vai responder!
Alice levantou o olhar procurando a sombra, que agora estava grudada em uma parede com as mãos espalmadas.
- Não é o primeiro que deixa cair, mas espero que seja o último. Eu demoro para os conquistar e quando acontece, você chega como quem não quer nada e os tira de mim! Entenda que aí é o lugar deles. Não servem para estar em outro lugar. Não passam de enfeites. Não adicionam nada a vida de ninguém. Por isso os trago para cá. Em outro lugar poderiam estar fazendo um grande estrago. Você não entende!
Realmente a Sombra não entendia. E fazia cada vez mais uma cara de interrogação.
- Você sabe bem o que eles fizeram comigo. Não é nenhuma maldade o que faço com eles. Só dou a eles o que merecem. Aliás, isso é pouco.
Alice soltou a cabeça do boneco que já havia se colado ao corpo. Assoprou, como se aquilo fosse fazer alguma diferença, e o pôs na prateleira acima da que havia tirado o pote de cola.
- Menos um para a minha coleção. Dese jeito eles nunca vão pagar pelo que fizeram e você é o culpado!
A Sombra saiu de perto da parede e foi em direção às costas de Alice.
- Pare de agir como se eu fosse má. Ninguém aprende nada sem uma lição! E eu estou tentando dar uma neles. Sei que vai demorar, mas um dia vai acontecer e eu quero todos, uns ao lado dos outros.
A Sombra chegou bem perto do ouvido de Alice e sussurrou algo. Alice sentiu e virou-se rapidamente. A Sombra voltou para cima da estante.
- Isso é um sim ou um não?
A Sombra não se mexeu.
- Não é problema meu se deixaram eu capturar a alma deles. Eles foram os errados. Eu os prendi aí dentro porque foram desleais. Merecem ficar confinados. Dentro de um lugar apertado, sem liberdade. Somente assistindo. Não participando de nada. Não podendo opinar. Sem o controle de suas vidas. Durante muito tempo fizeram isso com alguém. Nada mais justo do que passarem pelo que fizeram outras pessoas passarem.
A Sombra abaixou os olhos e fez que sim com a cabeça. Alice não podia ver. Mas ela estava concordando com tudo.
- Acha que eu queria que fosse assim? Mas alguém tem que fazer esse trabalho. Não gosto de dedicar todos os dias da minha vida a pessoas que não dão sequer valor àquelas que dizem amar!
A Sombra sabia bem do que Alice estava falando. E agora ia em direção a janela.
- Um dia vou me livrar desse serviço. E isso não está muito longe de acontecer. Um dia desses recebi uma carta dizendo que faltavam poucos para completar a minha coleção. Assim que ela estiver completa eu estarei livre. Mas eu só vou conseguir fazer isso se você parara de libertar eles. Será que entende?
A Sombra subiu no parapeito da janela, olhou para Alice, deu um impulso para cima e sumiu na noite.
As cortinas estufaram com o vento, e Alice virou-se para a janela, sentindo um frio na espinha.
Virou para os bonecos e olhando fixamente para um disse:
- Vocês podem me olhar, mas não irão me tocar nunca!
Soltou a toalha que ainda estava envolta em seu corpo deixando-a cair no chão de mármore. Deitou nua sobre a cama, de frente para a estante. Em um ângulo em que todos os bonecos a pudessem ver, e adormeceu.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Mas quando eu estiver morto...


- Enterre seus mortos!
Alice virou o rosto assustada.
- Vá até o quintal e faça antes que eles venham lhe assombrar!
Ouviu aquilo de cabeça baixa. Deu as costas e foi em direção ao lugar mais baixo do quintal. Começou a cavar com as mãos, mas em pouco tempo suas unhas estavam cheias de areia e seus dedos inúteis. Levantou e foi até a edícula. Saiu de lá com uma pá nas mãos e prometeu para si mesma só parar quando tivesse cavado o mais fundo que pudesse.
Em pouco tempo havia aberto uma cova com mais de dez palmos.
Com as costas da pá, bateu forte nos cantos do buraco para se certificar que as paredes não iriam ceder. Apoiou as mãos no alto do buraco e com um pulo voltou ao solo. Já estava se sentindo sem ar dentro daquele lugar.
Com a cabeça um pouco mais erguida foi até a sala onde havia deixado todos os corpos. Eles estavam no mesmo lugar. Um ao lado do outro. Imóveis. Nem pareciam os mesmos. Começou pelo que julgou dar mais trabalho. Estendeu seus braços e o arrastou até o buraco que havia cavado. Com um movimento rápido jogou o corpo lá dentro. Pegou o lírio que havia separado e atirou em cima do corpo.
- Flores tem significado.
Falou como se eles a pudessem ouvir.
- Vocês vão entender. Não agora, mas eu sei que vão.
Voltou correndo para a casa grande e saiu arrastando o segundo corpo.
- Ainda tenho um longo trabalho a fazer.
Quando o último cadáver foi posto dentro da vala, atirou o último lírio e começou a jogar terra fofa em cima de todos eles. Lançou os primeiros punhados de terra com a mão. Depois segurou a pá com os dedos trêmulos e jogou mais terra, até o buraco estar completamente cheio. O sol já se mostrava no horizonte e ela estava tão cansada que nem percebeu que um novo dia já havia sido anunciado.
Devagar arrastou seu corpo que agora parecia ter o dobro do peso até o quarto. Tirou os sapatos e o sobretudo que vestia. Arrancou as calças e arremessou o mais longe que pôde. Se jogou sobre a cama e adormeceu.
Horas depois foi acordada por uma voz firme que vinha de longe.
- Levante e acabe o trabalho! Os mortos são seus! Não deixe isso para que eu tenha que resolver!
Alice colocou os pés para fora da cama e os encostou no chão gelado. Fazia frio.
Chegou até a pia e levantou os olhos na altura do espelho. As olheiras estampadas em seu rosto denunciavam a noite difícil que havia tido. Não gostou do que viu. Mesmo assim não podia voltar para a cama. Não com o trabalho inacabado. Abriu a torneira. Deixou a água correr um pouco. Juntou as duas mãos e as levou cheias em direção ao rosto. Molhou as faces e piscou algumas vezes os olhos. Voltou a olhar para o espelho. O reflexo era o mesmo. Abriu as portas do box e estendeu as mãos até o registro. Como se não quisesse fazer aquilo, levantou os braços e puxou a blusa fina que cobria seu tórax. Puxou as laterais da calcinha e a deixou cair no chão. Esticou o pé embaixo do chuveiro para sentir a temperatura da água. Estava boa o bastante para um banho rápido. Pegou o sabonete e começou a ensaboar todo o corpo em movimentos rápidos. Tentando tirar a terra de sua pele. Esfregava as unhas para que fosse mais rápido. Em alguns minutos tinha tirado de si todos os vestígios daquela noite. Com a mão mais firme, girou a válvula e fechou o chuveiro. Algumas gotas ainda caíram. Puxou a toalha e a envolveu em seu corpo. Estava arrepiada. O inverno estava mais intenso este ano. Com as pernas pingando e os pés molhados foi até a cama e com um impulso subiu. Ficou de pé como de costume, para se secar. A roupa estava escolhida sobre o seu travesseiro. A calcinha preta foi a primeira peça que colocou em seu corpo ainda úmido. Puxou uma das laterais finas e soltou, como se quisesse escutar o barulho do elástico em sua pele. Em seguida pegou a meia-calça e se equilibrando a desenrolou pelas pernas, tomando cuidado para que ela não enganchasse em suas unhas. Após tê-la vestido desceu da cama lentamente calçando os sapatos que estavam no chão esperando por ela. Olhou para o espelho que estava às suas costas e parou por um segundo, lembrando de tudo o que havia feito. Um lampejo lhe veio à mente. Os lírios caindo sobre os corpos. Tomou o vestido cor de luto em suas mãos e esticou os braços para que ele entrasse com mais facilidade. Foi puxando centímetro a centímetro para ele se ajeitar em seu corpo. Aproximou-se então do espelho e arregalou os olhos. Tirou a toalha dos cabelos e os balançou. Não havia tempo para escová-los. Amassou os cachos e jogou os cabelos de lado. Abriu a bolsa e tirou a maquiagem para cobrir sua pele branca. Passou um pouco de corretivo embaixo dos olhos e rímel em seus longos cílios. Abriu o batom rosado e passou pelos lábios um pouco ressecados pelo frio da noite. Tirou os óculos escuros de dentro de uma caixa que ficava sobre a cômoda e o colocou no rosto. Estava pronta para terminar tudo aquilo. Passou pela cozinha e mais uma vez a voz se fez presente.
- Eles já estão esperando. Ainda bem que não vão nem sentir o quanto você demorou. Pensei que ia escorrer ralo abaixo como a água, pelo tempo que demorou!
Alice não disse nem uma palavra. Pegou a chave que estava na mesa e saiu batendo a porta.
Enquanto dirigia não ligou o som. Preferiu ouvir o som do silêncio. Estacionou o carro na lateral e desceu. Entrou. Ajoelhou-se por um minuto fazendo o sinal da cruz. Não era religiosa. Nem mesmo sabia no que acreditava. Mas acreditava que rituais tinham que ser cumpridos. Esperou a missa chegar ao fim e foi em direção do altar.
- Alice, vai ficar tudo bem. Cada um está no lugar que deveria estar. Cada um deles vai seguir o seu caminho. E você fez tudo o que estava ao seu alcance. Não deve se culpar. Isso logo vai passar. Tudo vai ser esquecido.
- Não sei se fiz certo. Enterrei eles com minhas próprias mãos. Pra sempre.
- Tudo o que fez teve um motivo. Cada um dos que enterrou mereceu. E os lírios? Achou?
- Sim. Um para cada, como o Senhor me aconselhou. - Disse Alice.
- Eles eram brancos?
- Como prometi.
- Então não precisa se preocupar. Tudo vai voltar a ser como era antes.
Alice abaixou-se novamente, inclinando a cabeça. Com a mão direita, o padre fez o sinal da cruz sobre a testa de Alice, acompanhado de um leve movimento de sim com a cabeça, apertando simultaneamente os olhos. Alice agradeceu com a cabeça e com um tímido sorriso. Virou as costas e abaixou os óculos sobre os olhos. Uma lágrima tocou o solo sagrado. E ela desceu em direção a um novo começo.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sweet Dreams

"Doces podem salvar uma vida. Não é nenhum exagero não. Aliás, eles tinham que nascer em árvores. Principalmente os mini chicletes. A vida com certeza fica bem melhor com eles". Enquanto pensava isso, Alice colocava as bolinhas de mascar na boca. Sentada naquela cadeira, um moço a observava. Quando percebeu que alguém a fitava, olhou para os dois lados para certificar que era com ela. Ele sorriu. Ela ficou corada, abaixou o olhar, passou a mão pelo nariz, um hábito que denunciava que ela estava nervosa e respondeu ao seu sorriso. Estava em um lugar que havia jurado nunca ir. E jurou com tanta certeza que acreditou naquilo. Bem que eu disse a ela não dizer "nunca" para mais nada. Mas Alice era tão teimosa que se negava a escutar conselhos. Da maneira que subia e descia parecia até conhecer todos os cantinhos daquele lugar imenso, como a palma de sua mão. Inclinou o corpo um pouquinho para frente e olhou sorrateiramente pelo canto dos olhos, para certificar que ele ainda estava lá. Ele continuava lá e dessa vez a agraciou com uma risada. Ela voltou o corpo para trás e ficou imóvel, sem respirar. Quando era pequena e queria fingir que estava dormindo, ou quando estava brincando de pic esconde, prendia a respiração para que quem a procurasse não a encontrar. Ela acreditava ficar invisível fazendo isso. Então na tentativa dele não perceber que ela o olhava, prendeu a respiração. O jogo havia apenas começado. Ela fazia anotações e no intervalo mascava chicletes. De vez em quando olhava para baixo para certificar-se que ele ainda estava lá. Quando ele comemorava, ela olhava para o lado oposto. Isso porque ele fazia questão de virar-se para trás para ver qual era sua reação. Ela fingia escrever e esperava ele se sentar novamente. Deve fazer algum sentido. Ele ali, em um lugar que ela odeia. Ela de cara fechada mascando chicletes e colocando todos na boca como se fossem os últimos no mundo e ele sorrindo. Será que ele estava achando engraçado? Pensou ela. Não com aqueles olhos lindos. Respondeu para si. Era um costume estranho, estranho, mas engraçado. Alice fazia perguntas para ela mesma e em seguida respondia. Muitas vezes em frente ao espelho, mas como ali não havia nenhum, fingiu estar escrevendo ao fazê-las. O intervalo começou e ao vê-lo subindo Alice deu um jeito de sair dali. Escondeu-se atrás de uma daquelas camisas com emblemas horríveis. Ao voltar ao seu lugar, Alice percebeu que ele estava procurando algo. Quando ela se sentou ele virou e o jogo recomeçou. Ele olhava, ela jogava o corpo para trás e dava risada. O hino tocou e o jogo havia acabado. Ele fez sinal para ela que estava subindo. Ela começou a dar risada e se perdeu no meio da multidão. Nunca mais o viu. Pensou tê-lo visto outro dia, mas aquele não tinha o sorriso tão bonito quanto o dele. Ah, e não a olhava enquanto ela mascava chicletes.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sólo creo en tu sonrisa azul

Alice desceu a rua sorrindo e pensando em tudo o que aquele lugar havia feito por ela. As noites frias de neve, os dias ensolarados que terminavam com um vento gostoso.

Estava de volta ao lugar mais colorido do mundo, mas só pensava em voltar para o azul e branco daquela terra. Em seu rosto ainda estavam as marcas do frio que havia passado naquele país em que as pessoas falam enrolado. As ruas com nomes latinos não saiam da sua cabeça. "Os nomes latinos". O vermelho das flores, que decoravam as mesas de jantar, contrastava com o restaurante sombrio que ela fez questão de visitar.

Nunca andou tanto. Dormiu pouco para aproveitar cada segundo. Sabia que o coelho estava prestes a lhe buscar.

Na beira do mar, ele chegou de mansinho, como quem não quer nada. A barba mal feita, como ela gosta. Olhos cor cor de mel estavam atrás de lentes. A pele escura, como se tivesse acabado de tomar sol. Ela falando sem parar nem percebeu sua presença. Ele logo ele arranjou uma maneira de entrar na conversa. Ela, com a sutileza de quem a conhece, fez questão de mostrar que era um assunto seu. Ele deu risada e a desafiou. Ela aceitou. Logo estavam só os dois sentados no deck, como se fossem amigos de longa data. O vinho já havia feito efeito e ela estava meio tonta. Ele estendeu a mão para ajudá-la, ela negou. Levantou e ainda zonza quase caiu. Com uma mão ele a agarrou e a trouxe para perto dele. Ela agradeceu se afastando. Andaram um pouco até chegar ao hotel. Ela agradeceu a companhia e subiu as escadarias. Ele esperou a porta fechar para seguir rua abaixo. No dia seguinte, no saguão, ele estava lá. Com os olhos marejados de quem vai perder alguém. Ela com um sorriso tímido foi em direção a porta. Ele levou suas malas até o carro e calados seguiram em direção ao aeroporto. Nada falaram. Um adeus demorado junto com uma caixinha que ele colocou em seu bolso. Ela nem percebeu.

Já no avião, ao tirar o casaco, ela encontrou o embrulho. Ao abrir um sorriso estampou seu rosto e ela teve a certeza de que o logo o país colorido vai receber uma visita.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hoje o tempo voa...


Ah, maldito Coelho! Porque ele tem que existir? Pensava Alice. Ela olhava para trás e lá estava ele! E pensar que por causa dele os dias eram mais curtos. Todos os meses pareciam fevereiro. Os anos bissextos? Esses haviam sido exterminados do calendário! Ah, se ela soubesse antes! Teria feito um bom e apetitoso Adobo de Conejo e servido à mesa de chá da Lebre de Março, apesar de ser abril. Tudo por causa dele! E ela nem aproveitou direito. Jamais pensou que aquele fim de semana entediante fosse a levar mais uma vez ao País das Maravilhas. Ela apertava os olhos com força para tentar lembrar de cada minuto que deixou escorrer pelos dedos como a areia fina daquela praia. Nem lembra do começo. Engraçado como as coisas mudam em pouco tempo. O que parecia não ter importância passa a tomar conta dos pensamentos. Acorda, dorme. Às vezes nem dorme. Mas lá estão eles. No mesmo lugar, cada vez mais presentes. Ao mesmo tempo como se nada tivesse acontecendo tudo ocorre. E ela dá uma gargalhada, depois fica sem graça. Tenta se explicar, mas é inútil. Já foi. Então ela ri mais. E seus lábios parecem tomar a forma de um arco. Seus olhos brilham. Mais do que o normal. Mas ela não pode controlar. Uma moeda por um minuto voltado atrás. Inútil. Ela não consegue. Desiste. Então adormece. Não mais de cinco minutos, não mais que um sonho, nada mais do que um fim de semana.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Através do Espelho


Ao olhar no espelho Alice nem se reconhece. O mesmo espelho que a levou diversas vezes para o País das Maravilhas reflete uma imagem que ela gosta mais. Mas não foi a cor de sua pele alva, nem o corte de cabelo que ela mudou. Algo lá dentro está diferente. Algo mais fundo. Que ela às vezes nem sabe explicar. O pensamento em um lugar que ela nunca conheceu. O Coelho cada vez mais rápido. E nos dias de folia ele parece acelerar ainda mais. Ela pouco dorme. Um dia compensará. Ela só quer aproveitar cada minuto enquanto o Coelho não olha no relógio. Cada minuto, cada palavra do Chapeleiro Louco que não faz sentido algum. E ela sorri. Pede para ele repetir só para ver se consegue achar algum sentido em tudo aquilo. Não encontra, mas mesmo assim ela gosta. Sem sentido. Para ela que não quer pensar no amanhã, é obrigada a lembrar que tudo tem um fim. E ela adormece após o sol nascer para não perder nada. Já que o Coelho vai chegar mesmo e botar fim no que ainda nem começou direito. E ela só pensa que daria tudo para ser janeiro novamente. O que a faz sorrir é a certeza de que contos de fadas não existem sem um final feliz.