sábado, 13 de dezembro de 2008

Bandeira branca amor.


Tudo parece diferente. As janelas continuam saltando, mas ao me olhar no espelho já não enxergo o azul que assolava minha alma. Só um verde esperança que uso para fitar as coisas boas da vida. Meu espírito descansa. E agradece. Foi um longo ano. Mas descobri o segredo. O sol se pronunciava e esquentou meu corpo. A noite uma forte tempestade anunciou a mudança. Minha armadura é dual. Hora lua, hora sol. Mas não deixo o dourado se apagar. As unhas vermelhas denunciam. Hasteio minha bandeira proclamando paz. Ando pela cidade como se ela fosse minha. Sem regras. Sem medos. Sem brigas. No teto estrelas. Não as que enxergava em seu olhar, mas minhas estrelas. Agora posso ver a Ursa maior e Leônis. O céu se abre para me dar passagem. O andar calmo de quem tem a vida ganha. Não tenho. Mas finjo ter. Só para não dar passos maiores que minhas pernas. Eu me rendo à noite fria. Fria e calma. Se não fossem pelos espaçados trovões diria que estava silenciosa também. Ajoelho-me e agradeço. Nem me sinto hipócrita. Só bem. A cevada não me parece tão amarga. Vai ver era a saudades que amargava meus lábios. E eu culpava a coitada. No mar velas apagadas. Na orla apenas algumas luzes acesas. Os prédios tortos parecem entender como me sinto. E o dia se pinta de cinza só para fugir da normalidade.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sonhos de uma noite de verão.


Se foi como um forte noroeste que antecede a tempestade de verão. Ele nem começou ainda e já tenho as faces queimadas pelo sol ardido da manhã. O céu acorda antes das seis e posso sentir como será meu dia. Um cigarro pela manhã. Quem sabe dois. As cinzas voam pela janela. E o sol invade o quarto por uma fresta. Eu pulo para não me atrasar. Ele vem atrás. Assustado. Nem parece adulto. Olhos de criança. Barba de homem. Mãos de pianista. Ele me oferece café e eu queria sentir o gosto de sua saliva. Só ganho um beijo estalado. E um adeus pela janela do elevador. Meio tímido. Meio sonolento. A porta se fecha e ainda posso sentir o cheiro de desodorante de mulher que ele insiste em usar. Um “Bom Dia” desconhecido me faz voltar à realidade. Eu ainda sonhava. Tive que acordar. Ele nem insistiu. Só aceitou. Seus olhos pediam companhia. Eu neguei. Não por não querer. Mas por querer demais. O velocímetro marcava as batidas do meu coração que agora estavam descompassadas. Excesso de velocidade. Mais uma multa. Quem sabe. Nada tirou meu bom humor. E me peguei rindo sozinha algumas vezes durante o dia. Até olhei no espelho para gravar a imagem. Mas só conseguia sorrir. E lembrar da dança. E da cara de arteiro. Já havia esquecido. Mas ele não deixou. Ainda bem! Lamento seu péssimo gosto musical. Maldita seja! Gosto da graças, odeio a música. Eu repito. Ele sabe e ignora. E sem esperar o telefone toca. Ele se importou. Pareciam os velhos tempos. Tudo estava como antes. O cabelo um pouco maior. Fiquei feliz em saber que tentou pelo menos. Mas é muito vaidoso para isso. E lindo. O mesmo pijama. Os pés descalços no chão de madeira. O tapa silencioso no bumbum e uma risada safada. Tudo igual. Um pouco mais velho, se colocarmos na balança nada mudou. Ele acha que sim. Eu digo que não. Ele aceita. Sem discutir. E de repente ele fica indisponível. Eu sem coragem deixo. Mas as ruas não me deixam o esquecer. As igrejas insistem. Eu tento. Sem esforço. Desisto. O ronco me faz lembrar. E meus olhos marejam. Abaixo os óculos para ninguém perceber. Me seguro algumas vezes para não falar. Não consigo. Caio em tentação. A mesma resposta de sempre. Já era de se esperar. Então o despertador toca. Percebo que outro dia começa. Sem sol. Sem bom humor. Sem cigarros. Sem adeus pela janela. Sem “Bom Dia” desconhecido. É só mais um dia.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Aos desocupados de plantão!


Peço gentilmente para que a pessoa que voltou a tentar invadir meu MSN pare com a palhaçada! Meu, vc ainda não percebeu que não vai conseguir nada com isso seu/sua trouxa!!! Não entende que eu sou muito inteligente e vc só é esperto/a?
Vamos fazer o seguinte, vou procurar um emprego pra vc pra ver se consegue ocupar seu tempo com alguma coisa que valha a pena e vá dar certo, ok? Será que vc não sabe que existem outras coisas na vida como praia, viagens, sexo, voluntariado, filantropia, suicídio, ops!!!
Ah, procurando na internet achei uma vaga para um piloto de kamikaze, acho que pra vc está mais que bom, não?!
Me mande seus dados que eu vou preencher o formulário. Só tem um problema, o contrato é temporário!!!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Os três mosqueteiros.


Devagar os cavaleiros surgiram e foram aproximando-se dela. Cada um com uma flor na mão. O primeiro era esguio. A pele clara como o alvorecer fazia com que suas nobres veias aparecessem. Todo de branco como se anunciasse um novo ano. Os olhos cor de oceano moviam-se rapidamente. Carregava consigo a mais rara de todas as flores. Uma tulipa azul que fora cultivada no topo dos Andes. Durante longos duzentos anos ela foi esperada. E ele a ganhou em um jogo de gamão. Sem esforço. Contou somente com a sorte. O segundo era mediano. A pele parecia ter sido castigada pelo sol. Seus olhos lembravam duas jabuticabas. Não fazia questão de abri-los muito. Calado observava tudo à sua volta. Nada comentava. Em mãos, um lírio branco. Diferente do normal, esse tinha o caule negro como se houvesse sido mergulhado em um caldeirão de piche. Ela achou estranho. Nunca havia visto uma flor como aquela . Sem comentar continuou a observar. O terceiro era alto e bem forte. Os cabelos arrepiados lembravam grama curta. Os olhos cor de melado expressavam ansiedade. Ainda assim não paravam de fitá-la. Entre os dedos longos estava uma margarida amarela. Algumas pétalas haviam ficado para trás, mas ele a carregava com muito cuidado para preservar as que ainda sobraram. Ela parada em frente a eles fazia questão de seguir cada movimento. Olhou intensamente para os olhos de cada um deles. Ouviu o que cada um tinha para dizer. O da tulipa prometeu dar a ela uma vida calma. Azul como a cor da flor que carregava. Morariam em um castelo no alto da colina. Lá ela desfrutaria de muito luxo e requinte. Disse também que não estaria presente em todos os momentos. Nas noites frias ele a deixaria para ajudar a acender as lareiras de seus súditos. No verão não desfrutaria das tardes no campo junto a ela, pois precisava garantir que não faltaria água para os seus. O segundo jurou fazê-la desfrutar de muitos prazeres. Principalmente os carnais. Incumbiu-se de apresentar-lhe todas as delícias da vida. Estaria sempre ao seu lado. Não se ausentaria nunca materialmente. Mas sua alma havia sido vendida ao Diabo. E por isso ele não seria totalmente atencioso e em alguns momentos a faria sofrer. O terceiro teve dificuldade em prometer-lhe algo tentador. Decidiu então contar como era sua vida. Vivia em uma cidade distante. Sentia falta de algo. Resolveu sair à procura do preenchimento para o vazio que desolava sua alma. Viajou até o mar. Lá avistou um navio ancorando. Dentro dele a princesa. Naquele exato momento soube que havia achado o que procurava. Não podia dar a ela grandes esperanças. Seus tesouros eram seus amigos e família. Os prazeres que poderia proporcionar a ela era o de dar carinho e fazê-la sorrir sempre. A princesa então pegou todas as flores e tomou-as para si. Seguiu em direção ao castelo dando as costas para os príncipes. Eles não entenderam muito bem o que seria resolvido. O primeiro não teve paciência para esperar a decisão da bela e decidiu partir de volta para seu reino. O segundo não podia ficar muito tempo sem dar satisfação ao diabo, então foi para sua cidade cumprir sua obrigação. Já o terceiro resolveu aguardar a resposta da princesa. Tinha jurado para ele mesmo que só sairia dali quando ouvisse sua escolha. Mesmo que esta não fosse favorável a ele.
No dia seguinte a princesa redigiu uma carta para cada um e passou por baixo da porta de seus aposentos, sem saber se estavam lá ou não. Seguiu para a praia para aguardar o escolhido. Quando lá chegou encontrou o terceiro cavaleiro com a margarida em mãos a esperando. Ela questionou o que ele fazia lá, já que acabara de entregar o envelope nos quartos. Ele pegou-a em seus braços, fitou seus olhos e disse:
“Desde o dia em que a vi pela primeira vez sabia que ficaríamos juntos. Não sabia quando, nem onde, mas sabia. Então resolvi vir para o lugar que a vi pela primeira vez.”
A princesa fechou os olhos e deixou-o beijá-la. Eles se casaram em uma linda cerimônia no mar. Ele até hoje não sabe se seria escolhido, mas dentre todas as promessas a que mais agradou a princesa foi a de poder sorrir para sempre.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O seu nome vai na história ficar...


Sai correndo pelo corredor que mais parecia um túnel. Sabia onde encontrá-la, mesmo que não houvesse me avisado. Ela sempre estaria ali. Sentada no fundo da biblioteca mergulhada em um livro. O gênero não interessava, ela só queria saber de devorar as palavras e viajar para um mundo onde ninguém pudesse machucá-la. Um mundo em que ela era a princesa, seu príncipe a corresponderia e eles teriam um final feliz. Atrás de uma armação quadrada podia sentir seus olhos fumegantes de saber. Com a sutileza peculiar de minha pessoa, escancarei a porta. Todos olharam. Por baixo dos óculos ela levantou o olhar e com um leve gesto levou o dedo indicador para o meio dos lábios, como se pudesse pedir meu silêncio. Ainda correndo fui até ela para espiar o que lia. Com a voz baixa me disse o título e eu repeti para que ela percebesse que havia entendido. Sentei-me ao seu lado e comecei a contar minhas peripécias de criança. As esmeraldas que havia achado no alto da colina e os diamantes que encontrei em meio a terra. Ela continuou lendo. Levantei com a mesma rapidez que havia chegado. Corri até a porta, dessa vez deixando-a aberta como se quisesse que ela me seguisse. Mas ela não o fez. Nunca fazia. Suas brincadeiras eram diferentes das minhas. Um dicionário a divertia mais que mil piadas contadas incessantemente. Cabra-cega não era aventura para ela. Isso encontrava nas enciclopédias. Princesas e Bruxas faziam parte de seu cotidiano. Ela as escutava e derrotava-as. Como Fada Madrinha conhecia a vida de cada uma delas. Com o passar dos anos passou a criar Ninfas e Príncipes. Suas histórias sempre tinham um final feliz. Eles a agradeciam presenteando-lhe com força e bravura para os momentos difíceis, doçura e sinceridade para lidar com os seus. E assim ela cresceu. Não muito, mas o bastante para virar mulher. Uma linda mulher. Os cabelos era o que tinha de maior. Como Rapunzel. As tranças sempre prontas para ajudar alguém subir em sua torre. A pele alva fazia lembrar Branca de Neve. Sempre rodeada por seus anões que mais pareciam gigantes. Sua bondade os encantava. Como Bela Adormecida, recebeu os doze presentes mágicos, mas diferente de Bela o décimo terceiro não foi uma maldição, mas a benção de encontrar seu príncipe em meio aos fios. Não de teares, mas de aparelhos eletrônicos. Vi Cinderela algumas vezes em seu olhar, quando a madrasta má a fazia chorar. Mas a sorte sempre esteve a seu lado, e diferente da Gata Borralheira tinha duas irmãs que estavam sempre prontas a ajudá-la a resolver seus problemas. Derrotou todos os dragões e magos que apareciam em sua vida. Os sapos que beijava relutavam a virar príncipes. Com a chegada do inverno isso mudou, ao contrário do que pensava a estação não trouxe o frio costumeiro, e sim o cavaleiro que esquentou seu coração. Como nos contos ele veio montado. Não era um cavalo branco, montava uma pequena moto. Um pouco desengonçado, confesso, mas nada que não pudesse ser relevado. No lugar da espada empunhada, rosas para demonstrar o quanto ela era importante. Os espinhos ele retirou. Todos, para não correr o risco de machucá-la mais do que já estava. Com a ajuda de duendes curou seu coração. E ele tem um lugar só dele. Um castelo, grande e muito alegre. Ela continua com as histórias, cada vez mais bonitas. Hoje o mundo a vê com outros olhos. Aquela biblioteca ainda guarda seu lugar. Suas fábulas logo tomarão o espaço dos livros que lia e eu me esforçava para decorar o título. Às vezes vou visitá-la só para me sentir em uma de suas histórias, isso me faz bem. Mas o que mais me agrada é saber que eles serão felizes para sempre!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Aqui jaz...

Ele ainda não sabe, mas o matei. Sem dor. Mentira. Doeu. Mas sofri calada. Ele nem pode esboçar sinal algum. Joguei terra fofa sobre seu corpo para ter certeza que não voltará. E um lírio branco, como pedido de desculpas. O mar se pintou de vermelho. O céu de cinza e a lua nem apareceu para presenciar o que os anjos desaprovaram. Eles choraram. Uma chuva forte e duradoura caiu durante o cortejo. Nem parecia verão. Toquei a marcha fúnebre. Ninguém ouviu. Mas fiz questão. Ele escutou. Tenho certeza. O enterrei perto do oceano. Como queria. As pestanas arroxeadas cobriam o que ele tinha de mais bonito. As mãos cruzadas sobre o peito nú. Pela última vez toquei seus lábios com os meus. Eles ainda pareciam me querer. Tinham cheiro de limpeza. Como da última vez que o vi. Moedas não lhe faltarão para dar ao barqueiro do Rio Lete. Mas somente duas é o que lhe entregará. Essas eu já coloquei em seu bolso. Para garantir que não vai vagar por aqui. E o poupar de sua mesquinhez. Em pensar que esse é o real motivo. Mas agora “Inês” já é morta. E nada importa mais. Há dois dias enxerguei no céu o que aconteceria. O dourado anunciava. Os fogos clareavam o horizonte e uma fumaça negra tomou as nuvens brancas. E tudo parecia diferente. As flores não tinham mais perfume. Isso o agradava. O algodão doce cor-de-rosa empalideceu. A maçã do amor derreteu em minhas mãos. Não ouvia o barulho das crianças brincando, nem tão pouco as ondas batendo nas pedras. Ele realmente havia ido para nunca mais voltar. Em sonhos quem sabe. Mas nem assim o quero. Não quero o que não posso ter por completo. De corpo e alma. E ele se dava mais de corpo que de alma. Eu que sou pura essência sentia falta. Às vezes ainda penso nele. Como ontem. O dia estava tão bonito. E azul. Mas deixei o pensamento se esvair. E o vi pulando pela janela. Estávamos no oitavo andar, mas ele nem se machucou. Só se foi. Ainda bem! Agradeço aos céus por isso. Ontem uma forte tempestade varreu tudo o que havia ficado para trás. Senti uma lágrima escorrer. Limpei. E hoje amanheceu tudo claro. Eu vibrei. Nem foi tão ruim. Pensava que seria pior. Mas não foi. E tudo o que eu quero é uma boa xícara de café para me manter acordada. Sem correr risco de sonhar. Não quero o que não me pertence. Biscoitos ficam melhores recheados. Eu prefiro. Ele nem liga. Mesmo assim não me agradam. Ele come. Eu assisto. Mas nada mais interessa. O importante é que quando as queimas começarem, ele estará sete palmos abaixo da terra. E eu, pulando sete ondas nem o desejarei ter no ano que começa.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

10 coisas que eu odeio em você...


Não fui eu que escrevi, mas poderia ter sido... Com exceção da parte de odiar como dirige meu carro!

"Odeio o modo como fala comigo
E como corta o cabelo
Odeio como dirige o meu carro
E odeio seu desmazelo
Odeio suas enormes botas de combate
E como consegue ler minha mente
Eu odeio tanto isso em você
Que até me sinto doente
Odeio como está sempre certo
E odeio quando você mente
Odeio quando me faz rir muito
Mais quando me faz chorar...
Odeio quando não está por perto
E o fato de não me ligar
Mas eu odeio principalmente
Não conseguir te odiar
Nem um pouco
Nem mesmo por um segundo
Nem mesmo só por te odiar"

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

...



Se ele não tivesse atendido o tel eu juraria que tudo foi um sonho de uma madrugada de inverno... Se bem que amanheceu e o sol estava lá, radiante! Mas era junho e o outono havia acabado há dois dias. Nem o "Vai ficar bravinha mmo?" existe mais! Sorte minha ser saudável e odiar bolachas. Meus filhos nem saberão o que é isso!!! Juro!!!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Interesante....


Li num blog a postagem a seguir:

Sonhos

- Sonhei com o senhor e com a vó essa semana.
- Ah é? Por isso que a gente vive.
- Hum?
- No meu tempo diziam que quando a gente sonha com alguém a pessoa vive mais.


Vida longa ao Rei!!!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Nossos destinos foram traçados na maternidade



Desceu do carro mostrando seus lindos dentes brancos emoldurados por lábios rosados e pouco carnudos. Tomou seu rumo. E eu para não demonstrar tristeza nem segui seus passos com o olhar. Tomei o celular em minhas mãos para ver as chamadas que não pude atender. Olhei uma última vez para frente. Em meio a toda aquela escuridão tudo o que eu enxergava eram dois feixes de luz azul. Ele esperava junto ao portão. E eu meio desengonçada nem percebi que estava lá. Olhava o celular e ele me olhava. Foi um momento mágico. Seus olhos esbugalhados pareciam querer ir comigo. O senti assustado, prestava atenção a minha manobra. Se ele soubesse quantas balizas colocou entre nós. Dirigia perfeitamente. Sempre teve o domínio da situação. A não ser quando o possuo. Aí quem dá as cartas sou eu. Jogo da minha maneira. Ele ganha. Eu ganho. A menina dorme. A mulher desperta. Mas quando tudo acaba, volto a colocar a cabeça em seu peito e me sinto como criança. E o carro volta a morrer em minhas mãos. Ele dá a partida e eu sinto o cheiro do asfalto queimando. Ele vai para longe sem data para voltar. Meu coração já nem bate tão forte. Parece ter se acostumado à situação. Uns dois quilômetros depois uma lágrima cai confirmando a tristeza que meu orgulho não deixou demonstrar. Mais uma vez calei. Não foi medo, nem tão pouco falta de coragem. Tudo estava tão perfeito que parecia que nunca iria acabar. Mas como sempre acabou. E o homem com o saco de pão nas mãos percebeu minha dor e se preocupou. Ainda existe gente boa no mundo. O que me consola é saber que quando as queimas de fogos acabarem ele retornará para o mar. Ele estava lá no momento em que nasci. Isso me tranqüiliza. Sem saber fui prometida. Como as princesas de contos de fadas. Eu espero em meu castelo. Não só, mas sem um pedaço. Um pedaço de mim que está nele. E tudo se completa. Não somos metades de laranja, mas pedaços de uma torta de limão que se encaixam perfeitamente.
Ele parece fugir da felicidade. A cidade de pedra não é seu lugar. Eu espero doce e paciente. E escutei na música tudo o que sinto calada na mesa de café. Não é fácil. É estranho não te contar meus planos, não te encontrar. Na verdade te encontro todos os dias. Nas músicas, em meus sonhos. Ontem estava vestido de azul. Sempre o azul. Com o sorriso estampado no rosto. Como eu gosto. Aquele ar de garoto arteiro. Pude até sentir seu beijo molhado e me esquentar no calor do seu abraço. Mas o despertador tocou e tudo se dissipou. Nem sei como sinto saudades das suas censuras, mas sinto. Da sua braveza, do seu comando. Do pedido de desculpa tímido no farol. Acho que foi o que mais gostei até hoje. Ele se abriu em verde, da cor dos meus olhos. E sua boca tremia. Eu vi! Como sempre você negou. Mas não importa. Porque o essencial é invisível aos olhos.

sábado, 25 de outubro de 2008

Do lado esquerdo


Com um estilete daqueles de usar em papel cortou a ponta do polegar. Em uma fração de segundos surgiu uma gota do que elas acreditavam selar aquela amizade para sempre. Entregou o objeto cortante em minhas mãos e fiz o mesmo. O sangue não apareceu com tanta rapidez, mas era tão vermelho quanto à cor de minhas unhas. Juntamos os dedos com a intenção de que aquele ato pudesse nos fazer não nos separarmos nunca. Não nos era sabido, mas isso já havia sido escrito. Não em estrelas, mas em nossas almas. Ao longo dos anos nos distanciamos fisicamente. Nossos espíritos sempre estiveram ligados. Em completa sincronia. Crescemos e nos tornamos lindas mulheres. Não grandes, mas lindas. A menor achou que deveria construir prédios. Mas ao lado dos arranha-céus sentia-se pequena. Então, percebeu que dominava a cura.
Sentia que o destino a havia colocado em meu caminho para fornecer as respostas que não tinha, para acalentar em momentos de tristeza, encorajar em situações em que me sentia fraca, para fazer corar de alegria, para dar ânimo à minha alma. E eu tentava fazer o mesmo. Sempre que escalava as paredes de seu castelo encontrava sua janela aberta. Adentrava sem pedir licença e despejava nela todos os meus anseios, dúvidas e mágoas. Ela escutava e sempre dava o melhor de si. Seu pedaço mais doce e terno. Seu quinhão de força e sensatez. Seus olhos amendoados conseguem expressar toda a pureza e harmonia de sua alma. .De suas palavras tiro forças para enfrentar leões. Lembro-me das tardes em que fugíamos da escola e fingíamos ser adultas fumando um cigarro doce e enjoativo. Sentadas na calçada sonhávamos com o futuro que presenciamos agora. Hoje planejamos esse futuro em volta de uma mesa redonda de café da tarde. Migalhas de pão se misturam com nomes de anjo. Bodas regadas a vermelho preto e branco com o leite derramado na toalha. Uma Paris que parece estar ao alcance de nossas mãos como o açucareiro. Somos uma o oposto da outra. Ela é dia, eu sou noite. Ela é meiga e terna. Eu, um furacão de impetuosidade. Ela tem a voz branda como o correr de um rio. Eu me faço ouvir como as ondas do mar em dia de tempestade.
Sei que sempre estaremos próximas, por mais longe que nossos corpos possam estar.
A incerteza do futuro não nos assombra, pois sabemos que teremos uma à outra, e que fomos nomeadas irmãs para sempre.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Em uma terra não tão distante...

Minha curiosidade deixou com que o carro morresse. Girei a chave para dar a partida e pelo espelho retrovisor direito olhei para ver se ele ainda estava lá. O toque do celular fez com que não conseguisse enxergá-lo. Mas ele dizia que estava. Foram poucos minutos e nunca ninguém conseguiu descobrir tantas coisas sobre mim pelo olhar. Não sei se fora pelos olhos, pois não conseguia encará-lo. Não podia. Não sei bem. Mas não o fiz. Todas aquelas palavras tinham me afetado, e eu as repetia em tom de revolta. Minha indignação não era com ele, mas por ter levantado em mim todas aquelas dúvidas. Eu que já era toda incerteza não sabia mais no que acreditar. Hora anjo, hora demônio. Hora pura, hora impura. Hora yan, hora yang. Dual da cabeça aos pés eu sentia que uma linha tênue separava meu País de sua Terra. Com a espada em punho, ele fazia questão de esgrimir. E eu tentava me defender de peito aberto. Sua teimosia e argumentos faziam com que eu escutasse a tudo calada. Entre uma rua e outra consegui proferir algo que o deixou atormentado. A “fada” havia virado “bruxa” Senti em seu gaguejo que o tinha afetado. Ele negava, mas eu sabia que havia descoberto algo por baixo daquela máscara. Era inútil, sua teimosia não o deixava admitir.
Desde que a chuva começou entro em sua Terra para ver o que ela me reserva. Gosto. Podia ser mais sutil, mas ainda assim gosto.
Queria ter ficado ali debatendo sobre o meu e seu EU por mais tempo, mas o coelho me esperava na primeira esquina, atrasado como sempre. Corria, como se correndo pudesse recuperar todo o tempo perdido. Não sei como ele pôde ter me notado se anda sempre tão devagar, e eu passo como um turbilhão a seu lado. Só sei que pude ver em seus lábios que ele me conhece, muito mais do que o Coelho Branco que sempre esteve ao meu lado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

No mais estou indo embora...


Acordou com um latido estridente em seu ouvido. Abriu os olhos, mas nada enxergava. Tateou a cama até onde podia, sentindo o espaço vazio. Tirou a venda para enxergar o que suas mãos não encontraram. Algo havia sumido como as nuvens escuras em uma tarde de verão. Pegou o celular. Nenhuma chamada. Levantou-se e colocou o chinelo com estampa de flores para não pisar no chão gelado. Abriu a janela para ver como o céu estava. Ventava muito, mas ainda assim o sol se fazia presente. Pensou em quanto tempo não via um dia tão dourado. Então sem pestanejar abriu a porta e foi até a cozinha. Nada encontrou. A não ser a louça suja do jantar que haviam saboreado na noite anterior. Os copos estavam com a marca de seu batom. Ele dispensava. Mas ela teimava em passar, gastando-o com ele. Seus lábios pálidos pediam. Ele a preferia sem. Haviam se amado loucamente no tapete da sala. Ele preferia a cama. Ela lugares inusitados. O cheiro de sexo ainda pairava no ar. Recolheu as roupas que estavam jogadas pelo chão. Sentiu falta da camisa branca e da calça jeans surrada. Foi até a área de serviço e jogou o vestido vermelho dentro da máquina de lavar. Não a colocou para funcionar. Desceu o varal e pegou uma toalha. Quem sabe ele chegasse enquanto ela se banhava. Despiu-se lentamente. Ao passar a blusa por seu rosto sentiu o cheiro de seu perfume, um odor doce de desodorante de mulher. Afrouxou o elástico da calcinha e deixou-a cair no chão. Prendeu o cabelo, não tinha pretensão de lavá-lo. Ligou o chuveiro e deixou a água correr. Esticou o pé molhando só a ponta dos dedos para sentir a temperatura da água. Pegou o sabonete em suas mãos e molhando o corpo todo se ensaboou. Não conseguia parar de pensar onde ele estava. Talvez tivesse saído para comprar cigarros. Mas não possuía o vicio de fumar. Desligou o chuveiro e estendeu as mãos para alcançar a toalha. Enrolou-se nela e com as pernas ainda gotejando dirigiu-se até o quarto. Abriu o guarda-roupa. A camisa azul estava no mesmo lugar. Pegou um short-doll amarelo e se vestiu com ele. Soltou a presilha e balançou os cabelos passando a mão por entre os fios. Sentou nos pés da cama e ligou o computador. Conectou-se com o mundo e em uma página de pesquisa jogou o nome dele. A primeira busca foi sem sucesso. Pensou então ter digitado algo errado. Deletou as letras e digitou novamente. Nada encontrado. Tomou o celular em suas mãos à procura da agenda. Jogou a primeira consoante de seu nome. Nada apareceu. Olhou para a janela e o céu já não estava tão azul. Um cinza escuro havia tomado o lugar do sol. Deitou-se na cama e entendeu que tudo aquilo havia sido um sonho e na tentativa de voltar para ele adormeceu.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Mentiras sinceras não me interessam...

O sol nem havia se posto direito no horizonte e Alice já tinha várias coisas para contar. Havia adormecido nos braços de Morfeu e acordado com todas as respostas trazidas por Ares. Na verdade, as respostas já lhe eram sabidas, mas não as tinha em mãos. E ela era muito pequena para sair anunciando-as. Nem tão pequena assim, mas não podia carregar consigo todas essas inverdades pelo mundo afora. Então toda noite deitava em sua pequena cama e ao colocar a cabeça no travesseiro de mousse pedia para que elas fossem trazidas em sonhos. Mas naquele dia o sonho havia se tornado realidade. E nem fora aquilo que pedira. Sabia que injustiças não ficam impunes. Não neste mundo. Olhou para suas mãos limpas e se alegrou. Nada tinha feito. Sabia que o tempo era o melhor advogava em causa própria, então, aguardou. Uma espera nunca fora tão gratificante. Se fosse o Coelho Branco não o teria feito. Sairia correndo atrás delas com o relógio em punho gritando aos quatro ventos que estava atrasado para “não se sabe bem o quê”. Mas Alice já havia percebido que aquilo tudo só serviria para que mandassem corta-lhe a cabeça. Então se calava. Sabia que mentiras eram viscosas como piche. Quando quente grudam em tudo o que estiver por perto, o cheiro é forte e enjoativo. Depois de frio, só serve para passarem por cima. Mas sua armadura era forte demais para deixar qualquer coisa a abalar. Escondida de dia atrás da lua e pela noite atrás do sol, enfrentava leões e balanças. Submersa em um aquário enfrentou os perigos do mar. Na calada da noite se deparou com um monstro de duas cabeças que urrou ao ser derrotado. Lembrando bem, não urrou. Miou como o Gato de Cherisé. Mas isso já nem importava para ela, que esperou longas primaveras para ser desacorrentada e sentir novamente em seu rosto o calor do sol. Atravessou rios de solidão e estradas de desespero, mas ao passar pelo deserto da sofreguidão encontrou uma garrafa em meio à areia fofa. Cavou raso. Seu vidro verde temperado delatava o conteúdo. Não era rum que continha, mas as respostas para suas infindáveis perguntas. Uma rolha de cortiça bege tampava sua boca e por mais que tentasse abri-la não conseguia. Em volta de toda aquela areia ela já se fazia movediça. E suas esperanças iam sendo sugadas pelos grãos. O sol já estava baixo quando se entregou totalmente após cavar um buraco, o mais fundo que pode. Sentia-se inútil. Possuía em suas mãos o que sempre quis, mas não havia o que fazer com aquilo. Então, de pé, ela segurou a garrafa pelo gargalo e jogou na vala com toda sua força. Ela se manteve intacta. Cobriu-a com toda a areia que havia tirado e sem olhar para trás foi se afastando. Seu rosto suado misturava-se com a areia fina do deserto. Uma lágrima escorreu salgando seus lábios e ela, como uma nômade, seguiu mais uma vez para a terra do sol azul.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Nesse frio...


Tudo o que eu queria era um sol pra esquentar meu corpo e um sorvete de nozes com chantily pra congelar meu coração.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Key


Sentia seu olhar quente em minha nuca, mas não me manifestava. Às vezes suas mãos tocavam com mais força minhas coxas, e percebia que por mais que me esquivasse acabaria me rendendo à seus carinhos. O gosto limpo de seus lábios me tentava a provar o resto de seu corpo. Eu resistia bravamente, assim como o guerreiro do jogo de PS2 que havia acabado naquela semana.
Toda aquela comida e eu só conseguia pensar em qual seria o gosto de seu tórax. Se seu colo era tão suave quanto o toque de seus longos dedos. Seu olhar apimentado despertava ainda mais meu apetite, e eu descontava na cevada toda minha covardia.
Mais uma vez Morfeu me envolveria, mas não deixaria nenhum anjo me tocar.

― Encare o demônio nos olhos! Pensava.
Não adiantava, sentia seu hálito em meu pescoço e suas mãos sobre minhas costas em um leve movimento de sobe e desce. Covarde! Covarde! Se pudesse teria aberto as janelas e me atirado, mas fazia frio e eu trajava um vestido azul da cor de seus olhos. Talvez um pouco mais escuro, mas ainda assim eram da cor de seus olhos.
Envolta em seus braços adormeci. Dormi um sono leve. Ele pareia uma rocha. O barulho do silêncio me atormentava. A luz não deixava descansar meus olhos. Na verdade não me lembro de nenhuma vez que tenha dormido plenamente a seu lado. Enquanto ele dormia tentava decorar os mistérios de seu corpo. Cada movimento. Suas marcas. O compasso de seu coração. A respiração hora forte hora fraca. Quantas vezes se virava e a posição que mais gostava. Em uma cama apertada dormíamos como se fossemos um. E eu não reclamava. Tentava me aconchegar cada vez mais em seu corpo na inútil tentativa de descobrir o que se passava em sua alma.
Na manhã seguinte acordei com um gosto estranho na boca. Ah, se eu soubesse o quanto a covardia era amarga teria escancarado o vidro e me atirado sem me importar com o quanto ventava. Nem a pasta de tuti-fruti conseguiu arrancar de meus lábios o sabor da derrota para aquele falso-puritanismo. Os olhos borrados de rímel anunciavam o início de mais uma manhã. Outro dia havia começado. Eu tinha ganhado a batalha, mas a guerra não havia terminado. Os obstáculos ficavam mais difíceis. Não tinha mais forças, ainda assim resistia a suas carícias. Seus afagos pareciam me acender cada vez mais, e eu nem olhava em seus olhos com medo de ser hipnotizada e me render a seu sexo. Então rezava. E pedia para que o arcanjo não virasse Lúcifer. Para que não cedesse às suas tentações. Embora quisesse, não podia. Então coloquei um cinto na alma e joguei a chave pelo oitavo andar em direção ao mar. E até hoje ele mergulha tentando encontrar a parte de mim que não pode ter.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Debaixo dos caracóis.


Na ponta dos pés eu me esticava para ver seu rosto. Pelo vidro embaçado de ofego pude enxergar o que estava escondido há nove meses. A curiosidade era tanta que não podia me conter e dei um pulo pro alto para fitar seus olhos. E eram azuis. Como as águas do Tamisa. Podia ver a candura de sua alma. Então ela abriu a boca e pude perceber que vinha ao mundo para mudar nossas vidas. Em um choro forte e estridente consegui sentir a força de seu signo. Anos depois enxergo a negrura do Solimões em seus olhar. Os dentes perfeitos foram resultado de anos de um sorriso metalizado. Os lindos cachos deram lugar a um liso cor de ébano. No início foi difícil me acostumar, hoje não a imagino de outra forma. De vez em quando me vejo nela. Principalmente quando sorri. Suas graças, são as mais engraçadas possíveis. Capaz de arrancar o sorriso de um dos soldados que faz a guarda do castelo de Buckinghan. Sua voz se sobressai na multidão, e ela faz questão de não cessá-la. Quando pequena queria ser professora. Mas com o tempo percebeu que ao falar todos se calam e a observam. Então decidiu ser comunicóloga. Sem fechar os olhos posso vê-la correndo pela casa arrancando suas roupas e colocando os óculos escuros como se aquilo pudesse esconder sua nudez. Com uma voz doce e forte a ouço completando o refrão “Scooby Dooby Dôo” e ela dizia “Adoooo”. Eu ria, e adorava.
Como diz a música, ela é o som, é a cor, o suor, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar. E ela não chora, ri. Muito. Para mostrar toda a leveza e bravura de sua alma. Toda a força que existe em seu rosto de menina. Ela urra quando tem que urrar. Quando não tem também urra. Como um leão. Deixa mostrar seus vinte anos. A criança que habita seu espírito fala mais alto. Mais alto que ela. Ela grita, esbraveja e volta ao normal como se nada houvesse acontecido. Ainda menina. Ainda adolescente. Mas muito mulher. Mostra que é preciso ter força, ter graça ter manha sempre. Ela traz na pele essa marca e possui a estranha mania de ter fé na vida.

Casinha de sapê.

Resolveu se isolar do mundo para não ter mais que assistir as coisas que não a deixavam dormir. Construiu uma casinha no morro mais alto da cidade. De lá podia ver as pessoas se jogando em busca da felicidade. Avistava também toda aquela imensidão sem brilho. Mas ainda assim achava um azul bonito. À noite o azul se transformava em preto, e ela se agitava com a falta dele. Todo aquele espaço e ele lá sozinho. Não entendia como não sentia a solidão bater naqueles imensos portões. Fingia não escutar acreditava ela. Ele havia voltado para a cidade das pedras. Ela tinha construído sua masmorra com elas, e de lá jogava suas tranças com a esperança de um dia ele agarrá-las e escalar a seu encontro. Não podia partir. Longe do mar se sentia seca. Ele deixava seu coração endurecer como granito. Um granito branco. Ele se vestia de branco. E ela insistia no verde. Só para dar esperanças as lembranças. Ele não gostava. Ainda assim ela usava. Ele cuidava do que ela tinha de mais bonito. Ela do que ele mais prezava. Não entendia como podia gostar tanto delas e não dar a mínima para ela. Em suas veias via correr o verde. E ele as tirava da carteira com muita relutância. Sentia sua alma se desmanchar como dunas. Hora pequena. Hora gigante. Mas ao se olhar no espelho ainda se via com um metro e sessenta. E mais uma vez Alice se fazia presente. Tudo o que queria era o Coelho Branco atrás dela. A seu lado. Sem o relógio. Pois, fora esse estúpido objeto de contar segundos que os havia afastado. Ele a algemara. Ela sentia seus pulsos livres. As correntes estavam no meio dos seios, onde ele gostava de aconchegar a cabeça e adormecer como criança. Por diversas vezes pensou que ele acordaria ao ouvir as batidas descompassadas e os gritos de socorro vindo de seu coração. Mas ele dormia como pedra. Encostava a mão em seu tórax livre de pelos e nada sentia. O tato não era seu forte, e sim o olfato. Podia sentir seu cheiro em meio às rochas. Principalmente quando se movimentava por elas a noite. O odor do mar já não lhe era familiar. Apesar de avistá-lo da pequena janela. Só cheirava o pó que o calhau levantava quando ele se movia. Procurava respirar lentamente para que ele não acordasse daquele sonho azul e fosse embora. Ao mesmo tempo em que se sentia protegida tinha muito medo. Medo das badaladas do relógio, medo do telefone tocar, medo do amanhã. Não do alvorecer, mas do amanhã sem ele. Sem suas broncas. Sem seu brilho. Sem seu sorriso. Sem sua presença. Tudo ficava negro. As esmeraldas viravam turmalinas cinza. Sua mão gelava e seu coração adoecia. Sabia qual era a cura, mas não a possuía. Quem sabe, um dia o verde não se lhe agradasse somente no bolso. Mas também no coração.

sábado, 27 de setembro de 2008

Gotas...

O mundo vai se acabar em chuva, e tudo o que eu queria era uma tarde azul!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Nem tudo que reluz é ouro.

Agia como uma estranha. Como podia se estava em território conhecido. Passaram-se apenas cinco anos e já havia esquecido onde ficavam as salas. Até parece que foi ontem. Na memória só lembranças boas. Algumas ruins, mas estas ela tentava esquecer. Como uma nuvem negra que se movimenta rapidamente para levar a tempestade.
Subia as escadas esbaforidamente. Por alguns instantes se sentiu como Alice correndo atrás do Coelho Branco. Mas fora ela que perdera o horário. Subia e descia, ia para a direita e voltava. Corria para a esquerda e não chegava a lugar algum. Não entendia como aquelas paredes haviam mudado tanto sem sair do lugar. Até as cores eram as mesmas. As rachadoras nas paredes. A cruz pregada com o homem de barba pregado de braços abertos e pés juntos era a mesma. As carteiras! Essas sim haviam sido trocadas. Mas era só. E ainda assim não conseguia achar o caminho.
Encontrou um buraco. Lá dentro uma imensidão negra. Olhou dentro. Deu um passo para trás. Pensou se seria conveniente entrar. Olhou mais uma vez. Então tomou coragem. Adentrou-o com passos leves e delicados para não ser notada, mas era impossível passar despercebida em algum lugar. Como um leopardo no meio da estação da Sé. Não podia voltar atrás. Desejava que estivesse sol para colocar seus óculos-escuros retrô e ficar invisível até sentar-se. Mas a noite havia caído há horas e ninguém entenderia o uso dele. Sentou na primeira cadeira que avistou fingindo não ser observada. O escuro perdurava e ela só conseguia enxergar a luz branca que vinha do retro projetor. Tentou se concentrar. As palavras iam e vinham sem fazer o menor sentido. Olhou para o lado e o viu. Por um minuto acreditou ser real. Então fechou os olhos e lembrou de suas doces palavras. Do cheiro infantil que vinha de sua boca. Dos dedos longos e trêmulos que seguravam a caneta, e desenhava bonecos em suas mãos. Da bala em formato de vida que ele dava a ela e ela presenteava a cachorra sem ele saber. Da chegada e da saída. Sempre juntos. Das brigas e dos beijos. Dos apelidos e das manhas. Das saudades que sentia da voz de monstro em seus ouvidos. Quando abriu os olhos percebera que tudo aquilo havia ido embora com a chuva fina que caíra molhando sues cabelos. Percebeu que os anos dourados não voltam. Mas que ela pode conservar o ouro dentro de seu coração.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Espelho da alma.

Me pego pensando em você. E tudo vira ouro. Em pó. Então fecho a janela para os pensamentos não voarem. E o azul do céu não refletir no espelho. Para que eu possa dormir sem ver estrelas. São quatro horas da tarde e já posso avistá-las em seus olhos.
Tenta se esconder atrás das lentes. Mas conheço os segredos de sua alma pelo olhar. E ele dizia que você me queria. Como no dia das Bodas. Nem preciso fechá-los para ver seu rosto. Então os esbugalho para preencher o campo. E tudo se pinta de azul. E o céu já nem é tão bonito. O sol se esconde atrás dos signos. Minha armadura é dourada e frágil. Mas ainda reluz. Um chão pintado de giz me distancia de você. Nem são tantos quilômetros, mas parecem oceanos de distância. E eu tento atravessar para não ser sugada pelo mar. E tudo o que eu queria era um banho. Com direito a espuma e toalha felpuda. Mas o relógio apontava oito e trinta. Mais para trinta do que para oito. Toda essa vetustez me parece estranha quando me lembro das músicas pela manhã. Devia tê-las decorado. Não para cantá-las, mas para entender o significado. Nem sei como as segurei. Haviam horas que parecia que todas rolariam como pérolas que se desprendem do cordão de um colar. Mas as atei com um sorriso de gloss de pimenta. Mesmo sabendo que você não gosta. Passei por cima do batom cor de boca só para te provocar. Através do espelho pude ver a verdade. Não a que você vivência, mas a que não admite. E nem eram para os olhos que eu olhava. Mas ela estava lá. Nua e crua. Nua. Eu. Nu. Você. Então eu me visto de negro para expressar todo o luto que habita meu coração. E meu sangue corre azul. Por baixo da pele alva posso ver correr. Pulsar você. Nem todos os entorpecentes me baqueiam. E caio em um sono leve. Minha boca sorri. Não quero ser acordada. Não enquanto eu estiver sorrindo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Amiúde

Ela foi se afastando devagar. Virou a cabeça pras trás mais umas vez para guardar na memória todo aquele brilho. Não sabia quando o avistaria novamente. Se o avistaria novamente. Ele parecia maior. Não mais alto, nem mais gordo. Mas maior. Por trás daquelas lentes nada havia mudado. E ela só pensava em como havia sido bom. Subiu as escadas o mais rápido que pode. Parecia estar fugindo dele, quando tudo o que queria era ficar mais um minuto ao seu lado. Adentrou a casa já aos prantos. Ninguém a escutaria mesmo. A não ser a cachorra que se encontrava no mesmo lugar de sempre. Ela que jurou nunca mais chorar. Bem que a avisaram que nunca era muito tempo. Mas ela, teimosa não acreditou. A voz doída se fez ouvir. Mas não a podiam escutar. Ela nem gritava para isso. Só chorava. Chorava só. E ouvia a música. Foi até a área e pegou sua toalha como quem percorre o corredor da morte. O banho era necessário, mas contrariava sua vontade. Queria que tudo aquilo ficasse impregnado em seu corpo, assim como já estava em sua alma. Deixou a água escorrer por uns cinco minutos como se o calor fosse remover toda aquela dor e saudade que sentia. Ensaboou o corpo como se pudesse arrancar todos aqueles bons momentos. Sabe-se lá mais quanto tempo teria que esperar para isso. Então preferia tirar toda a felicidade de sua alma e acinzentar seus dias. Não queria dormir sentindo seu gosto, nem seu cheiro. Aquilo a perturbava. Mas ela se rendia a tudo. Não conseguia se controlar. Ela que sempre dominou, manobrou sua vida. Sentia-se como um carrinho de controle remoto em suas mãos. Até gostava. Não entendia, mas gostava. Ela teve a chance de falar. Mas calou mais uma vez. Queria gritar, fazer os quatro cantos do mundo saberem o que ela sentia. Mas suas cordas vocais não a obedeceram. Nem precisava fechar os olhos para sentir suas mãos percorrerem seu corpo. Ela simulava no banho os movimentos feitos por ele. Como se seus pequenos dedos pudessem desenhar em seu corpo o mapa que ele havia tatuado.
Fechou o registro e se enrolou na toalha. Pegou sua escova e com todo aquele doce, tirou de sua boca qualquer vestígio do prazer que havia sentido. Ela ainda chorava. E a maquiagem escorria como as gotas de cera de uma vela em chamas. Ela estava em chamas. Ele havia voltado para onde nunca devia ter ido. Longe do oceano a vida era mais triste, acreditava ela. Ela ficava mais triste. E ele nem percebia. Ela só queria roubar um pouquinho de sua alegria. Repetia em sua cabeça todos os movimentos. Todos os olhares. Todos os sorrisos. Todas as palavras. Repetia para não esquecer. Como se pudesse controlar. Não podia, mas fingia poder. Colocou qualquer roupa, só para expelir o frio de sua pele. Nada que havia sido dele seria de outra pessoa. Passou o batom, ele não gostava, mesmo assim ela passou. Já não faria diferença.
Então, à noite quando ela conseguiu deitar e colocar sua cabeça no travesseiro rezou para que ele sentisse logo saudades do mar.

...


Foi a tarde azul mais linda que vivi até hoje...

sábado, 20 de setembro de 2008

Comunicado:


Hoje entendi porque o sol não pode ser azul.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Pra bom entendedor...



― Olha como eles te olham. Meu, você pode ter quantos caras você quiser, por que você só quer um?

― Não quero um, eu quero ele entende?!

― (...)

Dancing Queen - Abba

You can dance, you can jive
having the time of your life see that girl,
watch that scene dig in the dancing queen

friday night and the lights are low
looking out for a place to go
where they play the right music, getting in the swing
you come to look for a king
anybody could be that guy
night is young and the music's high
with a bit of rock music, everything is fine
you're in the mood for a dance
and when you get the chance

you are the dancing queen, young and sweet, only seventeen
dancing queen, feel the beat from the tambourine, oh yeah
you can dance, you can jive
having the time of your life
see that girl, watch that scene
dig in the dancing queen

you're a teaser, you turn 'em on
leave 'em burnin and then you're gone
lookin' out for an other, anyone will do
you're in the mood for a dance
and when you get the chance

you are the dancing queen, young and sweet, only seventeen
dancing queen, feel the beat from the tambourine, oh yeah
you can dance, you can jive
having the time of your life
see that girl, watch that scene
dig in the dancing queen

dig in the dancing queen!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Depois da tempestade a bonança.


Em uma caixinha cor-de-rosa shock guardou todas suas ânsias. Identificadas com etiquetas daquelas que se usa em cadernos de escola.
Sonhou em ser a 1ª bailarina do Teatro Municipal, mas ouviu que tinha um quadril muito largo para isso. Quis ser aeromoça, voar para os quatro cantos do mundo, mas um dos requisitos era ser alta, e ela media só 1,60. Tentou fazer parte da Semana de Moda em Paris, por trás dos bastidores, mas aos 17 escolheu a faculdade errada. Também pudera quem faz a escolha certa antes de completar 18 anos. Sonhou com dois pequenos, ela tinha a pele alva e delicada como o algodão e os olhos mais azuis que o mar da Grécia. Ele, cabelos cor de ébano e olhos verde-esmeralda mais preciosos que qualquer diamante. Deixou para depois, pois não havia encontrado a pessoa certa.
Então ela abriu a caixinha que havia guardado todos estes anos embaixo de sua cama. Saiu na chuva, arriscou-se. Pegou uma gripe, mas não desistiu. Quando viu a primeira gota tocar o chão colocou a cara na rua e deixou a tempestade a encharcar. Caiu doente novamente, mas dessa vez se recuperou mais rápido. Na terceira já estava forte e não se abateu. Os respingos até desviavam, pois a molhariam em vão. O verão chegou e já havia se acostumado com os trovões no final da tarde. Ela até gostava de sentir o cheiro da chuva molhando o chão quente. Cheiro de chuva. Um forte noroeste bateu, levando com ele todas suas dores e aflições. E no dia seguinte o sol se abriu diferente. Azul. Ela acorda antes do sol nascer. Espera ele se colocar no céu. Resplandecendo todo sua cor. Assiste a tudo. Sem piscar. Como quem vê um espetáculo do Circo Du Soleil. E desde então aguarda que um raio daquele azul a atinja e volte a dar cor a seus dias cinzas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A quem possa interessar.

Quem é você que entrou 53 vezes insistentemente em meu Blogger?
Será a mesma pessoa que está tentando invadir me MSN/Hotmail?
Cansei dessa palhaçada. Fakes tentando me add, visitas de pessoas que não conheço em meu perfil, contatos novos no MSN todos os dias.
Bom, será que não tem mais o que fazer? Vá fazer caridade, ser voluntário em alguma ONG ou se alista no exército e vai pra Bagdá.
E tenho dito!

domingo, 14 de setembro de 2008

Porque é primavera...

Ao som de Pina Colada ela chora. Chora e ri, ri e chora. Lágrimas doces como um pirulito de morango. Passa as mãos no rosto querendo esconder o sentimento. Não por vergonha, mas por saber que chorar já não adianta. E ela só sabe o refrão. Não entende a letra, mas a melodia a faz balançar os ombros. E sem querer escorre uma lágrima. A última. Essa ela não limpa. Deixa correr, seguir seu curso, pois sabe que nunca mais as derramará. Ela não quer mais ser refém. Não quer mais sonhar e acordar agitada. Com medo. Com dor. Quer dormir em paz, um sono puro e calmo. Mas não consegue. Todo aquele brilho a atormenta e ela não quer mais vê-lo. Nunca mais! Acabou! Ela que era só felicidade, só sorrisos. Nem acorda mais para não ter que escovar os dentes. Para não ter porque sorrir. E hoje escutou as mais duras mentiras. Ou verdades. Não sabe bem. Mas doeu. E a raiva a fez marejar os olhos. Não foi tristeza, nem alegria. Nem tão mesmo saudades da cor de seu olhar. Foi raiva mesmo. Raiva das mentiras e da traição. Raiva das coisas ditas em vão. Raiva dos momentos que foram divididos. Do tempo que esperou. Dias sombrios. Passou o inverno e o frio ainda assolava sua alma. Mas chegou a primavera. E ele criticou as flores em seu cabelo. Ela as colocou de volta no jardim, fazendo sua vontade. Um forte noroeste trouxe o verão mais quente que já havia passado. Mas sua alma parecia um iceberg. Então ela pôs um biquíni verde, para combinar com seus olhos. E ele nem olhou para ela. Mudou. Quem sabe piratas o agradassem. Mas ele parecia não se importar se iriam saquear todo o ouro que guardava em sua alma. Ela resistiu. O outono batia à porta. E ela juntou as folhas para que ele não as pisoteasse. O inverno se fez presente com uma forte chuva de granizo, e seu coração congelado sentiu que algo havia mudado. Ela fechou a janela para não escutar o barulho da chuva. Ele falava baixo. Uma voz de quem mente. Não era alta nem baixa. Tom adequado para quem precisa ser encoberto por mentiras. Uma mistura de covardia e falsidade jorrava de sua boca. Ela não entendia. Não aceitava. Mas tudo aquilo a fez perceber que os covardes se escondem atrás do azul.

sábado, 13 de setembro de 2008

Pra não falar de biscoitos...

O sol se pôs e eu já não enxergava o céu tão azul. Todo aquele dourado parecia tomar conta do horizonte, refletindo o ouro que estava guardado em minha alma. Pensava que os céus trariam boas notícias, acreditava que ele nunca me decepcionaria. Ele não o fez. As más vieram do mar. De um lindo e azul oceano que eu tive o prazer de apresentar para ele. Nunca me agradeceu por isso, mas lá estava ele, desfrutando daquelas maravilhas. Das minhas maravilhas. Sem mim. Mas já não havia o que fazer, ele havia escolhido comer os moles biscoitos de maizena deitado na rede de uma espaçosa casa no interior assistindo a vida passar, sem deixar suas marcas nela. Como se ser espectador fosse melhor do que ser coadjuvante quem sabe protagonista. Mas ele ignorava isso. Continuava a mordiscar as bolachas como se fossem crocantes e saborosas. E eu me sentia como farelo.
Nem eram quatro horas da tarde e a lua já estava a postos como se não quisesse perder o espetáculo que aconteceria com o chegar da noite. Como um torcedor do Corinthians na final da Copa Brasil. Que chega ao estádio para assistir a partida com horas de antecedência, para pegar o melhor lugar na arquibancada, para não perder um só lance, para fitar as melhores jogadas. Ao contrário do jogo, o astro não se preparou para ver um duelo, mas sim uma tentativa de tornar os dias menos azuis, as tardes mais prateadas. Não que o prateado combine com dourado, mas havia esgotado todas as minhas tentativas para tornar o céu mais colorido e brilhante. E chego a duvidar se o azul é a cor certa para dar o tom ao paraíso.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pequena Notável

Mantinha seus olhos negros fixos na faixa de cetim preto com bolinhas amarelas. Igual ao biquíni de Ana Maria na música de Celly Campello. Seria o brilho do cetim ou a mecha de cabelo dourada que a atraia tanto? Como podiam ser tão expressivos se nem completara 120 dias no mundo? Suas pernas cambaleavam como a de um bêbado ao final de uma noite passada no balcão de um bar bebendo a cachaça mais barata, apesar de nunca nem mesmo ter sentido o cheiro do álcool. As mãos balançavam ao som de ruídos indescritíveis. Dançava sem música, seus olhos brilhavam e sua boca abria e fechava como se quisesse me sugar com os lábios, como se eu a pudesse alimentá-la com o olhar. Entre um grunhido e outro babava em minhas mãos. Mas não sentia nojo. Como poderia ter asco da saliva de um ser tão puro e fraco, quem nem ao menos consegue se alimentar sozinho. Escancarava um sorriso cor-de-rosa. Nem havia contado uma de minhas piadas sem graça para ela retribuir com tal gesto. Mas ela o fazia. E não se cansava disso. E eu achava aquilo tudo lindo. E inexplicável.
Quando pequena nunca brinquei com bonecas. Achava-as sem graça, não sabia o que fazer com aqueles seres inanimados feitos de plástico duro sem nenhum esplendor no olhar. Algumas até vinham com mamadeiras e carrinhos, não via propósito em dar alimento a elas se não espumariam nem se encantariam com a copa de uma árvore. Então as deixava para minha irmã mais velha, e com o passar do tempo parei de ganhá-las. Passei a montar quebra-cabeças. Gigantes. Juntava as peças tentando encontrar explicações para aquelas figuras. Uma mais estranha que a outra. Até tinha um com desenhos de seres submarinos de um desenho animado que no momento não me recordo o nome. Mas lembro-me perfeitamente das cores. Um azul-piscina de fundo (se bem que era no mar), o rosa-chiclete e o laranja ficavam ao lado direito, o verde juntamente com o roxo ao centro e do lado esquerdo uma nave. Nunca entendi o motivo daquela nave no fundo do mar. Montei pelo menos duzentas vezes para tentar descobrir, mas foi inútil. Cansei-me e passei a entender de paisagens. Essas sim valiam à pena. Descobri tudo sobre elas. Cada segredo, cada minúcia, cada particularidade daqueles cenários imensos que sonhava um dia conhecer e tocar com minhas mãos.
Lá pelos meus quinze anos descobri o quanto as bochechas eram suculentas e como podem ser saudáveis as baboseiras que elas nos contam. Que um simples olhar pode alimentar a alma por dias e que um sorriso pode hidratar a pele mais seca e enrugada.
Senti um vento soprando a paz até mim. Os olhos de jabuticaba se fecharam e suas mãozinhas pararam de chacoalhar, as pernas nem trançadas ficaram. Seu peito subia e descia em um gentil movimento de respiração. Como se não bastasse, com toda a graciosidade ela adormeceu.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Toc Toc Toc

E o toc toc do sapato com estampa de onça ecoava pelo corredor. As pernas bambas da vodka com energético tentavam seguir uma linha reta invisível, mas era impossível. O máximo que conseguia era dar dois passos retos e no terceiro já estava junto à parede.
Tentou colocar a chave na porta sem fazer barulho, tarefa inútil para ela que já estava escorada na maçaneta, como se não tivesse forças para ficar de pé. Abriu a porta, entrou e a fechou, virou a chave na fechadura e a tirou para guardar na bolsa. Com a mão fraca deixou cair o molho no chão fazendo menos barulho do que esperava mais do que queria. Atravessou a sala sem mesmo nem olhar para a cadela que se encontrava estirada no sofá abanado o rabo como um espanador de pó. Abriu lentamente a porta do quarto, ninguém. Só ela e o zumbido da música que retumbou a noite toda em seu ouvido. Fechou a porta e jogou a bolsa sobre a cama desarrumada de domingo. Demorou menos de um minuto para tirar a roupa que havia levado uma hora e vinte minutos para colocar. Colocou o pijama de amoras rosa e jogou-se na cama como quem se entrega aos braços de Morfeu. Na boca sentia o gosto da mistura de cigarros e tristeza. Uma azia se misturava com a saudade daquele brilho azul. Duas semanas, e o cheiro não saia de suas narinas. Não cansava de escutar a voz trêmula e a bronca tensa nos momentos de nervosismo que haviam passado juntos. Fazia o possível para esquecer, mas não conseguia. Pegou o celular e pensou em mandar uma mensagem, mas o que escreveria? Melhor não. Jogou o aparelho ao lado do travesseiro e tentou dormir. Nada aconteceu. Pensou em talvez ligar o computador e entrar na internet para ver se havia algo novo para ler, mas era muito cedo para isso e as letras se embaralhariam em sua frente. Colocou então a mão entre os seios, uma velha mania que tinha quando sentia seu coração bater acelerado, e adormeceu. Sonhou com a decepção e com o amor. Com a ternura e com a infidelidade. E então acordou, com a certeza que a segunda-feira havia chegado e que os céus trariam uma boa notícia.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

E nas meninas.

Eu já nem o reconheço mais. Parece até outra pessoa. Como se um espectro negro houvesse possuído seu corpo e o dominasse. Olhos pálidos. Esses ainda são os mesmos. Mas o brilho já não existe mais, nem o olhar menino que existia na menina dos olhos. Tudo se foi. Só massa e músculos. Como se tivesse que carregar nos braços o peso de um sentimento interrompido. Queria ouvir falar de desenhos e jogos, as doces besteiras e as frases perfeitas em inglês. Mas nada disso existe mais, se foi como uma quente noite de verão, com uma quente noite de verão. Se bem que chovia naquele dia. Não era uma tempestade, mas uma chuva fina, como se os anjos não aprovassem o que estava acontecendo e chorassem por isso. Nada mais posso fazer. O avisei o mal que aquele veneno causaria. Mas como uma criança ele não me ouviu.
― Não coloque o dedo na tomada! E foi exatamente o contrário que ele faz. O choque foi certeiro. O arrebatou, me arrebatou.
E Ele que era apenas um menino, inocente como um anjo. O meu anjo.
Em suas veias posso ver correr a mais peçonhenta substância negra. Não como o céu em uma noite de lua minguante, mas como as águas turvas
do Tietê.
Todos esses anos e é como se nunca houvéssemos nos conhecido. As vestimentas são as mesmas. A mesma camisa branca sob o moletom cinza grafite. A mesma calça jeans caída. O mesmo tênis com o maior laço que já vi alguém dar. Mas o cruzar de braços, esse não consigo reconhecer. Não sei dizer onde aprendeu caretas tão feias. Pra que caretas se possui os dentes brancos sem nenhuma cárie? Antes não cansava de exibir a alvidez de suas presas escovadas com a mais infantil pasta. Maldito costume! Tão maldito que não consigo me livrar dele até hoje. Por isso passo longos minutos escovando os meus. Sento na cama, olho para a TV, vou até o corredor, olho no espelho, escovo mais um pouco, cuspo. E então coloco novamente o creme na escova, só para sentir mais uma vez o gosto de sua ingenuidade. Mas por que tudo isso se ela se foi sem aviso prévio? Sem avisar que no dia seguinte não escutaria mais seu ronco baixo nem sua respiração forte em meu rosto. Nem o beijo antes de colocar a máscara. Vai ver foi por isso. A máscara. Eu nunca me livrei dela. Aliás, foi por causa dele que comecei a usá-la. Talvez fosse diferente. Mas como saberia. Se ele quisesse eu descobriria a cura. No rótulo diz que a morte é lenta, lenta mas certa. Mas ainda assim eu tentaria. Por Ele eu tentaria. Daria vida novamente às meninas. Voltaria a reconhecer o cruzar de braços e o sorriso mais lindo que já vi em toda a minha vida. E o humor. Só um quadrúpede carnívoro doméstico conseguiu o tirar. Ah, e um vestido decotado que nunca mais usei. Não precisava, já não havia mais a quem afrontar. Ainda o guardo. O vi um dia desses no armário. O tecido é gelado e negro, esse sim como a noite. Mas muito vulgar para mim. Antes não entendia, mas depois do brilho azul tudo ficou claro.

E eu nem sabia que o azul brilhava tanto...

E eu nem sabia que o azul brilhava tanto. Uma mistura de trevas e sol que nunca havia visto. Antes disso não tinha percebido o quão ofuscante pode ser o tom que dá cor aos céus. Mas pudera, não haveria de ser diferente se o onipotente o habita. O brilho vinha em minha direção, e eu fingia não perceber, para não ter que encarar o anjo nos olhos, para que ele não lesse quantos pecados se passavam em minha mente. Graças! O copo ainda estava pela metade, se ele já tivesse sido descartado não conseguiria disfarçar que minha freqüência estava mais alta do que toda aquela música que nos envolvia. E foi por isso que senti o calor do seu hálito em meus ouvidos, bendita música! Aumentem o som! Mais! Mais um pouco, para que eu possa sentir o calor que há muito tempo não sentia. Mas que calor é esse que faz as extremidades gelarem e os poros expelirem o mais frio dos suores? Dois minutos se passaram, nada foi registrado, as palavras ficaram no local junto com a música, e então meu corpo me levou. Nada me fazia acordar daquele sonho azul, mas uma gota de água tocou minha pele, e foi quando percebi que estava chegando ao fim. Não sabia o que aconteceria nas próximas horas, mas sabia que o anjo iria conhecer todos os meus segredos; os mais íntimos, os mais efêmeros, os mais impuros, os mais verdadeiros. Isso já não me importava, só queria a garantia de não ser punida pelos pecados que cometeria. Então as trevas se foram e andei pelo asfalto como se carregasse quilos de cimento em meus pés. Mas logo senti suas asas tocarem meu corpo e flutuei como se caminhasse sobre a água. Meu tempo havia acabado, sem que eu pudesse perceber o quanto aquele ser divinal havia me acorrentado. Tentei me soltar das amarras de adamantium, mas elas estavam impregnadas em meu sangue.
― Dr. Myron MacLain, preciso da cura, não posso viver como Volverine! A não ser que queira me presentear com o escudo do Capitão América.