segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Debaixo dos caracóis.


Na ponta dos pés eu me esticava para ver seu rosto. Pelo vidro embaçado de ofego pude enxergar o que estava escondido há nove meses. A curiosidade era tanta que não podia me conter e dei um pulo pro alto para fitar seus olhos. E eram azuis. Como as águas do Tamisa. Podia ver a candura de sua alma. Então ela abriu a boca e pude perceber que vinha ao mundo para mudar nossas vidas. Em um choro forte e estridente consegui sentir a força de seu signo. Anos depois enxergo a negrura do Solimões em seus olhar. Os dentes perfeitos foram resultado de anos de um sorriso metalizado. Os lindos cachos deram lugar a um liso cor de ébano. No início foi difícil me acostumar, hoje não a imagino de outra forma. De vez em quando me vejo nela. Principalmente quando sorri. Suas graças, são as mais engraçadas possíveis. Capaz de arrancar o sorriso de um dos soldados que faz a guarda do castelo de Buckinghan. Sua voz se sobressai na multidão, e ela faz questão de não cessá-la. Quando pequena queria ser professora. Mas com o tempo percebeu que ao falar todos se calam e a observam. Então decidiu ser comunicóloga. Sem fechar os olhos posso vê-la correndo pela casa arrancando suas roupas e colocando os óculos escuros como se aquilo pudesse esconder sua nudez. Com uma voz doce e forte a ouço completando o refrão “Scooby Dooby Dôo” e ela dizia “Adoooo”. Eu ria, e adorava.
Como diz a música, ela é o som, é a cor, o suor, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar. E ela não chora, ri. Muito. Para mostrar toda a leveza e bravura de sua alma. Toda a força que existe em seu rosto de menina. Ela urra quando tem que urrar. Quando não tem também urra. Como um leão. Deixa mostrar seus vinte anos. A criança que habita seu espírito fala mais alto. Mais alto que ela. Ela grita, esbraveja e volta ao normal como se nada houvesse acontecido. Ainda menina. Ainda adolescente. Mas muito mulher. Mostra que é preciso ter força, ter graça ter manha sempre. Ela traz na pele essa marca e possui a estranha mania de ter fé na vida.

Casinha de sapê.

Resolveu se isolar do mundo para não ter mais que assistir as coisas que não a deixavam dormir. Construiu uma casinha no morro mais alto da cidade. De lá podia ver as pessoas se jogando em busca da felicidade. Avistava também toda aquela imensidão sem brilho. Mas ainda assim achava um azul bonito. À noite o azul se transformava em preto, e ela se agitava com a falta dele. Todo aquele espaço e ele lá sozinho. Não entendia como não sentia a solidão bater naqueles imensos portões. Fingia não escutar acreditava ela. Ele havia voltado para a cidade das pedras. Ela tinha construído sua masmorra com elas, e de lá jogava suas tranças com a esperança de um dia ele agarrá-las e escalar a seu encontro. Não podia partir. Longe do mar se sentia seca. Ele deixava seu coração endurecer como granito. Um granito branco. Ele se vestia de branco. E ela insistia no verde. Só para dar esperanças as lembranças. Ele não gostava. Ainda assim ela usava. Ele cuidava do que ela tinha de mais bonito. Ela do que ele mais prezava. Não entendia como podia gostar tanto delas e não dar a mínima para ela. Em suas veias via correr o verde. E ele as tirava da carteira com muita relutância. Sentia sua alma se desmanchar como dunas. Hora pequena. Hora gigante. Mas ao se olhar no espelho ainda se via com um metro e sessenta. E mais uma vez Alice se fazia presente. Tudo o que queria era o Coelho Branco atrás dela. A seu lado. Sem o relógio. Pois, fora esse estúpido objeto de contar segundos que os havia afastado. Ele a algemara. Ela sentia seus pulsos livres. As correntes estavam no meio dos seios, onde ele gostava de aconchegar a cabeça e adormecer como criança. Por diversas vezes pensou que ele acordaria ao ouvir as batidas descompassadas e os gritos de socorro vindo de seu coração. Mas ele dormia como pedra. Encostava a mão em seu tórax livre de pelos e nada sentia. O tato não era seu forte, e sim o olfato. Podia sentir seu cheiro em meio às rochas. Principalmente quando se movimentava por elas a noite. O odor do mar já não lhe era familiar. Apesar de avistá-lo da pequena janela. Só cheirava o pó que o calhau levantava quando ele se movia. Procurava respirar lentamente para que ele não acordasse daquele sonho azul e fosse embora. Ao mesmo tempo em que se sentia protegida tinha muito medo. Medo das badaladas do relógio, medo do telefone tocar, medo do amanhã. Não do alvorecer, mas do amanhã sem ele. Sem suas broncas. Sem seu brilho. Sem seu sorriso. Sem sua presença. Tudo ficava negro. As esmeraldas viravam turmalinas cinza. Sua mão gelava e seu coração adoecia. Sabia qual era a cura, mas não a possuía. Quem sabe, um dia o verde não se lhe agradasse somente no bolso. Mas também no coração.

sábado, 27 de setembro de 2008

Gotas...

O mundo vai se acabar em chuva, e tudo o que eu queria era uma tarde azul!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Nem tudo que reluz é ouro.

Agia como uma estranha. Como podia se estava em território conhecido. Passaram-se apenas cinco anos e já havia esquecido onde ficavam as salas. Até parece que foi ontem. Na memória só lembranças boas. Algumas ruins, mas estas ela tentava esquecer. Como uma nuvem negra que se movimenta rapidamente para levar a tempestade.
Subia as escadas esbaforidamente. Por alguns instantes se sentiu como Alice correndo atrás do Coelho Branco. Mas fora ela que perdera o horário. Subia e descia, ia para a direita e voltava. Corria para a esquerda e não chegava a lugar algum. Não entendia como aquelas paredes haviam mudado tanto sem sair do lugar. Até as cores eram as mesmas. As rachadoras nas paredes. A cruz pregada com o homem de barba pregado de braços abertos e pés juntos era a mesma. As carteiras! Essas sim haviam sido trocadas. Mas era só. E ainda assim não conseguia achar o caminho.
Encontrou um buraco. Lá dentro uma imensidão negra. Olhou dentro. Deu um passo para trás. Pensou se seria conveniente entrar. Olhou mais uma vez. Então tomou coragem. Adentrou-o com passos leves e delicados para não ser notada, mas era impossível passar despercebida em algum lugar. Como um leopardo no meio da estação da Sé. Não podia voltar atrás. Desejava que estivesse sol para colocar seus óculos-escuros retrô e ficar invisível até sentar-se. Mas a noite havia caído há horas e ninguém entenderia o uso dele. Sentou na primeira cadeira que avistou fingindo não ser observada. O escuro perdurava e ela só conseguia enxergar a luz branca que vinha do retro projetor. Tentou se concentrar. As palavras iam e vinham sem fazer o menor sentido. Olhou para o lado e o viu. Por um minuto acreditou ser real. Então fechou os olhos e lembrou de suas doces palavras. Do cheiro infantil que vinha de sua boca. Dos dedos longos e trêmulos que seguravam a caneta, e desenhava bonecos em suas mãos. Da bala em formato de vida que ele dava a ela e ela presenteava a cachorra sem ele saber. Da chegada e da saída. Sempre juntos. Das brigas e dos beijos. Dos apelidos e das manhas. Das saudades que sentia da voz de monstro em seus ouvidos. Quando abriu os olhos percebera que tudo aquilo havia ido embora com a chuva fina que caíra molhando sues cabelos. Percebeu que os anos dourados não voltam. Mas que ela pode conservar o ouro dentro de seu coração.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Espelho da alma.

Me pego pensando em você. E tudo vira ouro. Em pó. Então fecho a janela para os pensamentos não voarem. E o azul do céu não refletir no espelho. Para que eu possa dormir sem ver estrelas. São quatro horas da tarde e já posso avistá-las em seus olhos.
Tenta se esconder atrás das lentes. Mas conheço os segredos de sua alma pelo olhar. E ele dizia que você me queria. Como no dia das Bodas. Nem preciso fechá-los para ver seu rosto. Então os esbugalho para preencher o campo. E tudo se pinta de azul. E o céu já nem é tão bonito. O sol se esconde atrás dos signos. Minha armadura é dourada e frágil. Mas ainda reluz. Um chão pintado de giz me distancia de você. Nem são tantos quilômetros, mas parecem oceanos de distância. E eu tento atravessar para não ser sugada pelo mar. E tudo o que eu queria era um banho. Com direito a espuma e toalha felpuda. Mas o relógio apontava oito e trinta. Mais para trinta do que para oito. Toda essa vetustez me parece estranha quando me lembro das músicas pela manhã. Devia tê-las decorado. Não para cantá-las, mas para entender o significado. Nem sei como as segurei. Haviam horas que parecia que todas rolariam como pérolas que se desprendem do cordão de um colar. Mas as atei com um sorriso de gloss de pimenta. Mesmo sabendo que você não gosta. Passei por cima do batom cor de boca só para te provocar. Através do espelho pude ver a verdade. Não a que você vivência, mas a que não admite. E nem eram para os olhos que eu olhava. Mas ela estava lá. Nua e crua. Nua. Eu. Nu. Você. Então eu me visto de negro para expressar todo o luto que habita meu coração. E meu sangue corre azul. Por baixo da pele alva posso ver correr. Pulsar você. Nem todos os entorpecentes me baqueiam. E caio em um sono leve. Minha boca sorri. Não quero ser acordada. Não enquanto eu estiver sorrindo.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Amiúde

Ela foi se afastando devagar. Virou a cabeça pras trás mais umas vez para guardar na memória todo aquele brilho. Não sabia quando o avistaria novamente. Se o avistaria novamente. Ele parecia maior. Não mais alto, nem mais gordo. Mas maior. Por trás daquelas lentes nada havia mudado. E ela só pensava em como havia sido bom. Subiu as escadas o mais rápido que pode. Parecia estar fugindo dele, quando tudo o que queria era ficar mais um minuto ao seu lado. Adentrou a casa já aos prantos. Ninguém a escutaria mesmo. A não ser a cachorra que se encontrava no mesmo lugar de sempre. Ela que jurou nunca mais chorar. Bem que a avisaram que nunca era muito tempo. Mas ela, teimosa não acreditou. A voz doída se fez ouvir. Mas não a podiam escutar. Ela nem gritava para isso. Só chorava. Chorava só. E ouvia a música. Foi até a área e pegou sua toalha como quem percorre o corredor da morte. O banho era necessário, mas contrariava sua vontade. Queria que tudo aquilo ficasse impregnado em seu corpo, assim como já estava em sua alma. Deixou a água escorrer por uns cinco minutos como se o calor fosse remover toda aquela dor e saudade que sentia. Ensaboou o corpo como se pudesse arrancar todos aqueles bons momentos. Sabe-se lá mais quanto tempo teria que esperar para isso. Então preferia tirar toda a felicidade de sua alma e acinzentar seus dias. Não queria dormir sentindo seu gosto, nem seu cheiro. Aquilo a perturbava. Mas ela se rendia a tudo. Não conseguia se controlar. Ela que sempre dominou, manobrou sua vida. Sentia-se como um carrinho de controle remoto em suas mãos. Até gostava. Não entendia, mas gostava. Ela teve a chance de falar. Mas calou mais uma vez. Queria gritar, fazer os quatro cantos do mundo saberem o que ela sentia. Mas suas cordas vocais não a obedeceram. Nem precisava fechar os olhos para sentir suas mãos percorrerem seu corpo. Ela simulava no banho os movimentos feitos por ele. Como se seus pequenos dedos pudessem desenhar em seu corpo o mapa que ele havia tatuado.
Fechou o registro e se enrolou na toalha. Pegou sua escova e com todo aquele doce, tirou de sua boca qualquer vestígio do prazer que havia sentido. Ela ainda chorava. E a maquiagem escorria como as gotas de cera de uma vela em chamas. Ela estava em chamas. Ele havia voltado para onde nunca devia ter ido. Longe do oceano a vida era mais triste, acreditava ela. Ela ficava mais triste. E ele nem percebia. Ela só queria roubar um pouquinho de sua alegria. Repetia em sua cabeça todos os movimentos. Todos os olhares. Todos os sorrisos. Todas as palavras. Repetia para não esquecer. Como se pudesse controlar. Não podia, mas fingia poder. Colocou qualquer roupa, só para expelir o frio de sua pele. Nada que havia sido dele seria de outra pessoa. Passou o batom, ele não gostava, mesmo assim ela passou. Já não faria diferença.
Então, à noite quando ela conseguiu deitar e colocar sua cabeça no travesseiro rezou para que ele sentisse logo saudades do mar.

...


Foi a tarde azul mais linda que vivi até hoje...

sábado, 20 de setembro de 2008

Comunicado:


Hoje entendi porque o sol não pode ser azul.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Pra bom entendedor...



― Olha como eles te olham. Meu, você pode ter quantos caras você quiser, por que você só quer um?

― Não quero um, eu quero ele entende?!

― (...)

Dancing Queen - Abba

You can dance, you can jive
having the time of your life see that girl,
watch that scene dig in the dancing queen

friday night and the lights are low
looking out for a place to go
where they play the right music, getting in the swing
you come to look for a king
anybody could be that guy
night is young and the music's high
with a bit of rock music, everything is fine
you're in the mood for a dance
and when you get the chance

you are the dancing queen, young and sweet, only seventeen
dancing queen, feel the beat from the tambourine, oh yeah
you can dance, you can jive
having the time of your life
see that girl, watch that scene
dig in the dancing queen

you're a teaser, you turn 'em on
leave 'em burnin and then you're gone
lookin' out for an other, anyone will do
you're in the mood for a dance
and when you get the chance

you are the dancing queen, young and sweet, only seventeen
dancing queen, feel the beat from the tambourine, oh yeah
you can dance, you can jive
having the time of your life
see that girl, watch that scene
dig in the dancing queen

dig in the dancing queen!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Depois da tempestade a bonança.


Em uma caixinha cor-de-rosa shock guardou todas suas ânsias. Identificadas com etiquetas daquelas que se usa em cadernos de escola.
Sonhou em ser a 1ª bailarina do Teatro Municipal, mas ouviu que tinha um quadril muito largo para isso. Quis ser aeromoça, voar para os quatro cantos do mundo, mas um dos requisitos era ser alta, e ela media só 1,60. Tentou fazer parte da Semana de Moda em Paris, por trás dos bastidores, mas aos 17 escolheu a faculdade errada. Também pudera quem faz a escolha certa antes de completar 18 anos. Sonhou com dois pequenos, ela tinha a pele alva e delicada como o algodão e os olhos mais azuis que o mar da Grécia. Ele, cabelos cor de ébano e olhos verde-esmeralda mais preciosos que qualquer diamante. Deixou para depois, pois não havia encontrado a pessoa certa.
Então ela abriu a caixinha que havia guardado todos estes anos embaixo de sua cama. Saiu na chuva, arriscou-se. Pegou uma gripe, mas não desistiu. Quando viu a primeira gota tocar o chão colocou a cara na rua e deixou a tempestade a encharcar. Caiu doente novamente, mas dessa vez se recuperou mais rápido. Na terceira já estava forte e não se abateu. Os respingos até desviavam, pois a molhariam em vão. O verão chegou e já havia se acostumado com os trovões no final da tarde. Ela até gostava de sentir o cheiro da chuva molhando o chão quente. Cheiro de chuva. Um forte noroeste bateu, levando com ele todas suas dores e aflições. E no dia seguinte o sol se abriu diferente. Azul. Ela acorda antes do sol nascer. Espera ele se colocar no céu. Resplandecendo todo sua cor. Assiste a tudo. Sem piscar. Como quem vê um espetáculo do Circo Du Soleil. E desde então aguarda que um raio daquele azul a atinja e volte a dar cor a seus dias cinzas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A quem possa interessar.

Quem é você que entrou 53 vezes insistentemente em meu Blogger?
Será a mesma pessoa que está tentando invadir me MSN/Hotmail?
Cansei dessa palhaçada. Fakes tentando me add, visitas de pessoas que não conheço em meu perfil, contatos novos no MSN todos os dias.
Bom, será que não tem mais o que fazer? Vá fazer caridade, ser voluntário em alguma ONG ou se alista no exército e vai pra Bagdá.
E tenho dito!

domingo, 14 de setembro de 2008

Porque é primavera...

Ao som de Pina Colada ela chora. Chora e ri, ri e chora. Lágrimas doces como um pirulito de morango. Passa as mãos no rosto querendo esconder o sentimento. Não por vergonha, mas por saber que chorar já não adianta. E ela só sabe o refrão. Não entende a letra, mas a melodia a faz balançar os ombros. E sem querer escorre uma lágrima. A última. Essa ela não limpa. Deixa correr, seguir seu curso, pois sabe que nunca mais as derramará. Ela não quer mais ser refém. Não quer mais sonhar e acordar agitada. Com medo. Com dor. Quer dormir em paz, um sono puro e calmo. Mas não consegue. Todo aquele brilho a atormenta e ela não quer mais vê-lo. Nunca mais! Acabou! Ela que era só felicidade, só sorrisos. Nem acorda mais para não ter que escovar os dentes. Para não ter porque sorrir. E hoje escutou as mais duras mentiras. Ou verdades. Não sabe bem. Mas doeu. E a raiva a fez marejar os olhos. Não foi tristeza, nem alegria. Nem tão mesmo saudades da cor de seu olhar. Foi raiva mesmo. Raiva das mentiras e da traição. Raiva das coisas ditas em vão. Raiva dos momentos que foram divididos. Do tempo que esperou. Dias sombrios. Passou o inverno e o frio ainda assolava sua alma. Mas chegou a primavera. E ele criticou as flores em seu cabelo. Ela as colocou de volta no jardim, fazendo sua vontade. Um forte noroeste trouxe o verão mais quente que já havia passado. Mas sua alma parecia um iceberg. Então ela pôs um biquíni verde, para combinar com seus olhos. E ele nem olhou para ela. Mudou. Quem sabe piratas o agradassem. Mas ele parecia não se importar se iriam saquear todo o ouro que guardava em sua alma. Ela resistiu. O outono batia à porta. E ela juntou as folhas para que ele não as pisoteasse. O inverno se fez presente com uma forte chuva de granizo, e seu coração congelado sentiu que algo havia mudado. Ela fechou a janela para não escutar o barulho da chuva. Ele falava baixo. Uma voz de quem mente. Não era alta nem baixa. Tom adequado para quem precisa ser encoberto por mentiras. Uma mistura de covardia e falsidade jorrava de sua boca. Ela não entendia. Não aceitava. Mas tudo aquilo a fez perceber que os covardes se escondem atrás do azul.

sábado, 13 de setembro de 2008

Pra não falar de biscoitos...

O sol se pôs e eu já não enxergava o céu tão azul. Todo aquele dourado parecia tomar conta do horizonte, refletindo o ouro que estava guardado em minha alma. Pensava que os céus trariam boas notícias, acreditava que ele nunca me decepcionaria. Ele não o fez. As más vieram do mar. De um lindo e azul oceano que eu tive o prazer de apresentar para ele. Nunca me agradeceu por isso, mas lá estava ele, desfrutando daquelas maravilhas. Das minhas maravilhas. Sem mim. Mas já não havia o que fazer, ele havia escolhido comer os moles biscoitos de maizena deitado na rede de uma espaçosa casa no interior assistindo a vida passar, sem deixar suas marcas nela. Como se ser espectador fosse melhor do que ser coadjuvante quem sabe protagonista. Mas ele ignorava isso. Continuava a mordiscar as bolachas como se fossem crocantes e saborosas. E eu me sentia como farelo.
Nem eram quatro horas da tarde e a lua já estava a postos como se não quisesse perder o espetáculo que aconteceria com o chegar da noite. Como um torcedor do Corinthians na final da Copa Brasil. Que chega ao estádio para assistir a partida com horas de antecedência, para pegar o melhor lugar na arquibancada, para não perder um só lance, para fitar as melhores jogadas. Ao contrário do jogo, o astro não se preparou para ver um duelo, mas sim uma tentativa de tornar os dias menos azuis, as tardes mais prateadas. Não que o prateado combine com dourado, mas havia esgotado todas as minhas tentativas para tornar o céu mais colorido e brilhante. E chego a duvidar se o azul é a cor certa para dar o tom ao paraíso.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pequena Notável

Mantinha seus olhos negros fixos na faixa de cetim preto com bolinhas amarelas. Igual ao biquíni de Ana Maria na música de Celly Campello. Seria o brilho do cetim ou a mecha de cabelo dourada que a atraia tanto? Como podiam ser tão expressivos se nem completara 120 dias no mundo? Suas pernas cambaleavam como a de um bêbado ao final de uma noite passada no balcão de um bar bebendo a cachaça mais barata, apesar de nunca nem mesmo ter sentido o cheiro do álcool. As mãos balançavam ao som de ruídos indescritíveis. Dançava sem música, seus olhos brilhavam e sua boca abria e fechava como se quisesse me sugar com os lábios, como se eu a pudesse alimentá-la com o olhar. Entre um grunhido e outro babava em minhas mãos. Mas não sentia nojo. Como poderia ter asco da saliva de um ser tão puro e fraco, quem nem ao menos consegue se alimentar sozinho. Escancarava um sorriso cor-de-rosa. Nem havia contado uma de minhas piadas sem graça para ela retribuir com tal gesto. Mas ela o fazia. E não se cansava disso. E eu achava aquilo tudo lindo. E inexplicável.
Quando pequena nunca brinquei com bonecas. Achava-as sem graça, não sabia o que fazer com aqueles seres inanimados feitos de plástico duro sem nenhum esplendor no olhar. Algumas até vinham com mamadeiras e carrinhos, não via propósito em dar alimento a elas se não espumariam nem se encantariam com a copa de uma árvore. Então as deixava para minha irmã mais velha, e com o passar do tempo parei de ganhá-las. Passei a montar quebra-cabeças. Gigantes. Juntava as peças tentando encontrar explicações para aquelas figuras. Uma mais estranha que a outra. Até tinha um com desenhos de seres submarinos de um desenho animado que no momento não me recordo o nome. Mas lembro-me perfeitamente das cores. Um azul-piscina de fundo (se bem que era no mar), o rosa-chiclete e o laranja ficavam ao lado direito, o verde juntamente com o roxo ao centro e do lado esquerdo uma nave. Nunca entendi o motivo daquela nave no fundo do mar. Montei pelo menos duzentas vezes para tentar descobrir, mas foi inútil. Cansei-me e passei a entender de paisagens. Essas sim valiam à pena. Descobri tudo sobre elas. Cada segredo, cada minúcia, cada particularidade daqueles cenários imensos que sonhava um dia conhecer e tocar com minhas mãos.
Lá pelos meus quinze anos descobri o quanto as bochechas eram suculentas e como podem ser saudáveis as baboseiras que elas nos contam. Que um simples olhar pode alimentar a alma por dias e que um sorriso pode hidratar a pele mais seca e enrugada.
Senti um vento soprando a paz até mim. Os olhos de jabuticaba se fecharam e suas mãozinhas pararam de chacoalhar, as pernas nem trançadas ficaram. Seu peito subia e descia em um gentil movimento de respiração. Como se não bastasse, com toda a graciosidade ela adormeceu.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Toc Toc Toc

E o toc toc do sapato com estampa de onça ecoava pelo corredor. As pernas bambas da vodka com energético tentavam seguir uma linha reta invisível, mas era impossível. O máximo que conseguia era dar dois passos retos e no terceiro já estava junto à parede.
Tentou colocar a chave na porta sem fazer barulho, tarefa inútil para ela que já estava escorada na maçaneta, como se não tivesse forças para ficar de pé. Abriu a porta, entrou e a fechou, virou a chave na fechadura e a tirou para guardar na bolsa. Com a mão fraca deixou cair o molho no chão fazendo menos barulho do que esperava mais do que queria. Atravessou a sala sem mesmo nem olhar para a cadela que se encontrava estirada no sofá abanado o rabo como um espanador de pó. Abriu lentamente a porta do quarto, ninguém. Só ela e o zumbido da música que retumbou a noite toda em seu ouvido. Fechou a porta e jogou a bolsa sobre a cama desarrumada de domingo. Demorou menos de um minuto para tirar a roupa que havia levado uma hora e vinte minutos para colocar. Colocou o pijama de amoras rosa e jogou-se na cama como quem se entrega aos braços de Morfeu. Na boca sentia o gosto da mistura de cigarros e tristeza. Uma azia se misturava com a saudade daquele brilho azul. Duas semanas, e o cheiro não saia de suas narinas. Não cansava de escutar a voz trêmula e a bronca tensa nos momentos de nervosismo que haviam passado juntos. Fazia o possível para esquecer, mas não conseguia. Pegou o celular e pensou em mandar uma mensagem, mas o que escreveria? Melhor não. Jogou o aparelho ao lado do travesseiro e tentou dormir. Nada aconteceu. Pensou em talvez ligar o computador e entrar na internet para ver se havia algo novo para ler, mas era muito cedo para isso e as letras se embaralhariam em sua frente. Colocou então a mão entre os seios, uma velha mania que tinha quando sentia seu coração bater acelerado, e adormeceu. Sonhou com a decepção e com o amor. Com a ternura e com a infidelidade. E então acordou, com a certeza que a segunda-feira havia chegado e que os céus trariam uma boa notícia.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

E nas meninas.

Eu já nem o reconheço mais. Parece até outra pessoa. Como se um espectro negro houvesse possuído seu corpo e o dominasse. Olhos pálidos. Esses ainda são os mesmos. Mas o brilho já não existe mais, nem o olhar menino que existia na menina dos olhos. Tudo se foi. Só massa e músculos. Como se tivesse que carregar nos braços o peso de um sentimento interrompido. Queria ouvir falar de desenhos e jogos, as doces besteiras e as frases perfeitas em inglês. Mas nada disso existe mais, se foi como uma quente noite de verão, com uma quente noite de verão. Se bem que chovia naquele dia. Não era uma tempestade, mas uma chuva fina, como se os anjos não aprovassem o que estava acontecendo e chorassem por isso. Nada mais posso fazer. O avisei o mal que aquele veneno causaria. Mas como uma criança ele não me ouviu.
― Não coloque o dedo na tomada! E foi exatamente o contrário que ele faz. O choque foi certeiro. O arrebatou, me arrebatou.
E Ele que era apenas um menino, inocente como um anjo. O meu anjo.
Em suas veias posso ver correr a mais peçonhenta substância negra. Não como o céu em uma noite de lua minguante, mas como as águas turvas
do Tietê.
Todos esses anos e é como se nunca houvéssemos nos conhecido. As vestimentas são as mesmas. A mesma camisa branca sob o moletom cinza grafite. A mesma calça jeans caída. O mesmo tênis com o maior laço que já vi alguém dar. Mas o cruzar de braços, esse não consigo reconhecer. Não sei dizer onde aprendeu caretas tão feias. Pra que caretas se possui os dentes brancos sem nenhuma cárie? Antes não cansava de exibir a alvidez de suas presas escovadas com a mais infantil pasta. Maldito costume! Tão maldito que não consigo me livrar dele até hoje. Por isso passo longos minutos escovando os meus. Sento na cama, olho para a TV, vou até o corredor, olho no espelho, escovo mais um pouco, cuspo. E então coloco novamente o creme na escova, só para sentir mais uma vez o gosto de sua ingenuidade. Mas por que tudo isso se ela se foi sem aviso prévio? Sem avisar que no dia seguinte não escutaria mais seu ronco baixo nem sua respiração forte em meu rosto. Nem o beijo antes de colocar a máscara. Vai ver foi por isso. A máscara. Eu nunca me livrei dela. Aliás, foi por causa dele que comecei a usá-la. Talvez fosse diferente. Mas como saberia. Se ele quisesse eu descobriria a cura. No rótulo diz que a morte é lenta, lenta mas certa. Mas ainda assim eu tentaria. Por Ele eu tentaria. Daria vida novamente às meninas. Voltaria a reconhecer o cruzar de braços e o sorriso mais lindo que já vi em toda a minha vida. E o humor. Só um quadrúpede carnívoro doméstico conseguiu o tirar. Ah, e um vestido decotado que nunca mais usei. Não precisava, já não havia mais a quem afrontar. Ainda o guardo. O vi um dia desses no armário. O tecido é gelado e negro, esse sim como a noite. Mas muito vulgar para mim. Antes não entendia, mas depois do brilho azul tudo ficou claro.

E eu nem sabia que o azul brilhava tanto...

E eu nem sabia que o azul brilhava tanto. Uma mistura de trevas e sol que nunca havia visto. Antes disso não tinha percebido o quão ofuscante pode ser o tom que dá cor aos céus. Mas pudera, não haveria de ser diferente se o onipotente o habita. O brilho vinha em minha direção, e eu fingia não perceber, para não ter que encarar o anjo nos olhos, para que ele não lesse quantos pecados se passavam em minha mente. Graças! O copo ainda estava pela metade, se ele já tivesse sido descartado não conseguiria disfarçar que minha freqüência estava mais alta do que toda aquela música que nos envolvia. E foi por isso que senti o calor do seu hálito em meus ouvidos, bendita música! Aumentem o som! Mais! Mais um pouco, para que eu possa sentir o calor que há muito tempo não sentia. Mas que calor é esse que faz as extremidades gelarem e os poros expelirem o mais frio dos suores? Dois minutos se passaram, nada foi registrado, as palavras ficaram no local junto com a música, e então meu corpo me levou. Nada me fazia acordar daquele sonho azul, mas uma gota de água tocou minha pele, e foi quando percebi que estava chegando ao fim. Não sabia o que aconteceria nas próximas horas, mas sabia que o anjo iria conhecer todos os meus segredos; os mais íntimos, os mais efêmeros, os mais impuros, os mais verdadeiros. Isso já não me importava, só queria a garantia de não ser punida pelos pecados que cometeria. Então as trevas se foram e andei pelo asfalto como se carregasse quilos de cimento em meus pés. Mas logo senti suas asas tocarem meu corpo e flutuei como se caminhasse sobre a água. Meu tempo havia acabado, sem que eu pudesse perceber o quanto aquele ser divinal havia me acorrentado. Tentei me soltar das amarras de adamantium, mas elas estavam impregnadas em meu sangue.
― Dr. Myron MacLain, preciso da cura, não posso viver como Volverine! A não ser que queira me presentear com o escudo do Capitão América.