sábado, 25 de outubro de 2008

Do lado esquerdo


Com um estilete daqueles de usar em papel cortou a ponta do polegar. Em uma fração de segundos surgiu uma gota do que elas acreditavam selar aquela amizade para sempre. Entregou o objeto cortante em minhas mãos e fiz o mesmo. O sangue não apareceu com tanta rapidez, mas era tão vermelho quanto à cor de minhas unhas. Juntamos os dedos com a intenção de que aquele ato pudesse nos fazer não nos separarmos nunca. Não nos era sabido, mas isso já havia sido escrito. Não em estrelas, mas em nossas almas. Ao longo dos anos nos distanciamos fisicamente. Nossos espíritos sempre estiveram ligados. Em completa sincronia. Crescemos e nos tornamos lindas mulheres. Não grandes, mas lindas. A menor achou que deveria construir prédios. Mas ao lado dos arranha-céus sentia-se pequena. Então, percebeu que dominava a cura.
Sentia que o destino a havia colocado em meu caminho para fornecer as respostas que não tinha, para acalentar em momentos de tristeza, encorajar em situações em que me sentia fraca, para fazer corar de alegria, para dar ânimo à minha alma. E eu tentava fazer o mesmo. Sempre que escalava as paredes de seu castelo encontrava sua janela aberta. Adentrava sem pedir licença e despejava nela todos os meus anseios, dúvidas e mágoas. Ela escutava e sempre dava o melhor de si. Seu pedaço mais doce e terno. Seu quinhão de força e sensatez. Seus olhos amendoados conseguem expressar toda a pureza e harmonia de sua alma. .De suas palavras tiro forças para enfrentar leões. Lembro-me das tardes em que fugíamos da escola e fingíamos ser adultas fumando um cigarro doce e enjoativo. Sentadas na calçada sonhávamos com o futuro que presenciamos agora. Hoje planejamos esse futuro em volta de uma mesa redonda de café da tarde. Migalhas de pão se misturam com nomes de anjo. Bodas regadas a vermelho preto e branco com o leite derramado na toalha. Uma Paris que parece estar ao alcance de nossas mãos como o açucareiro. Somos uma o oposto da outra. Ela é dia, eu sou noite. Ela é meiga e terna. Eu, um furacão de impetuosidade. Ela tem a voz branda como o correr de um rio. Eu me faço ouvir como as ondas do mar em dia de tempestade.
Sei que sempre estaremos próximas, por mais longe que nossos corpos possam estar.
A incerteza do futuro não nos assombra, pois sabemos que teremos uma à outra, e que fomos nomeadas irmãs para sempre.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Em uma terra não tão distante...

Minha curiosidade deixou com que o carro morresse. Girei a chave para dar a partida e pelo espelho retrovisor direito olhei para ver se ele ainda estava lá. O toque do celular fez com que não conseguisse enxergá-lo. Mas ele dizia que estava. Foram poucos minutos e nunca ninguém conseguiu descobrir tantas coisas sobre mim pelo olhar. Não sei se fora pelos olhos, pois não conseguia encará-lo. Não podia. Não sei bem. Mas não o fiz. Todas aquelas palavras tinham me afetado, e eu as repetia em tom de revolta. Minha indignação não era com ele, mas por ter levantado em mim todas aquelas dúvidas. Eu que já era toda incerteza não sabia mais no que acreditar. Hora anjo, hora demônio. Hora pura, hora impura. Hora yan, hora yang. Dual da cabeça aos pés eu sentia que uma linha tênue separava meu País de sua Terra. Com a espada em punho, ele fazia questão de esgrimir. E eu tentava me defender de peito aberto. Sua teimosia e argumentos faziam com que eu escutasse a tudo calada. Entre uma rua e outra consegui proferir algo que o deixou atormentado. A “fada” havia virado “bruxa” Senti em seu gaguejo que o tinha afetado. Ele negava, mas eu sabia que havia descoberto algo por baixo daquela máscara. Era inútil, sua teimosia não o deixava admitir.
Desde que a chuva começou entro em sua Terra para ver o que ela me reserva. Gosto. Podia ser mais sutil, mas ainda assim gosto.
Queria ter ficado ali debatendo sobre o meu e seu EU por mais tempo, mas o coelho me esperava na primeira esquina, atrasado como sempre. Corria, como se correndo pudesse recuperar todo o tempo perdido. Não sei como ele pôde ter me notado se anda sempre tão devagar, e eu passo como um turbilhão a seu lado. Só sei que pude ver em seus lábios que ele me conhece, muito mais do que o Coelho Branco que sempre esteve ao meu lado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

No mais estou indo embora...


Acordou com um latido estridente em seu ouvido. Abriu os olhos, mas nada enxergava. Tateou a cama até onde podia, sentindo o espaço vazio. Tirou a venda para enxergar o que suas mãos não encontraram. Algo havia sumido como as nuvens escuras em uma tarde de verão. Pegou o celular. Nenhuma chamada. Levantou-se e colocou o chinelo com estampa de flores para não pisar no chão gelado. Abriu a janela para ver como o céu estava. Ventava muito, mas ainda assim o sol se fazia presente. Pensou em quanto tempo não via um dia tão dourado. Então sem pestanejar abriu a porta e foi até a cozinha. Nada encontrou. A não ser a louça suja do jantar que haviam saboreado na noite anterior. Os copos estavam com a marca de seu batom. Ele dispensava. Mas ela teimava em passar, gastando-o com ele. Seus lábios pálidos pediam. Ele a preferia sem. Haviam se amado loucamente no tapete da sala. Ele preferia a cama. Ela lugares inusitados. O cheiro de sexo ainda pairava no ar. Recolheu as roupas que estavam jogadas pelo chão. Sentiu falta da camisa branca e da calça jeans surrada. Foi até a área de serviço e jogou o vestido vermelho dentro da máquina de lavar. Não a colocou para funcionar. Desceu o varal e pegou uma toalha. Quem sabe ele chegasse enquanto ela se banhava. Despiu-se lentamente. Ao passar a blusa por seu rosto sentiu o cheiro de seu perfume, um odor doce de desodorante de mulher. Afrouxou o elástico da calcinha e deixou-a cair no chão. Prendeu o cabelo, não tinha pretensão de lavá-lo. Ligou o chuveiro e deixou a água correr. Esticou o pé molhando só a ponta dos dedos para sentir a temperatura da água. Pegou o sabonete em suas mãos e molhando o corpo todo se ensaboou. Não conseguia parar de pensar onde ele estava. Talvez tivesse saído para comprar cigarros. Mas não possuía o vicio de fumar. Desligou o chuveiro e estendeu as mãos para alcançar a toalha. Enrolou-se nela e com as pernas ainda gotejando dirigiu-se até o quarto. Abriu o guarda-roupa. A camisa azul estava no mesmo lugar. Pegou um short-doll amarelo e se vestiu com ele. Soltou a presilha e balançou os cabelos passando a mão por entre os fios. Sentou nos pés da cama e ligou o computador. Conectou-se com o mundo e em uma página de pesquisa jogou o nome dele. A primeira busca foi sem sucesso. Pensou então ter digitado algo errado. Deletou as letras e digitou novamente. Nada encontrado. Tomou o celular em suas mãos à procura da agenda. Jogou a primeira consoante de seu nome. Nada apareceu. Olhou para a janela e o céu já não estava tão azul. Um cinza escuro havia tomado o lugar do sol. Deitou-se na cama e entendeu que tudo aquilo havia sido um sonho e na tentativa de voltar para ele adormeceu.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Mentiras sinceras não me interessam...

O sol nem havia se posto direito no horizonte e Alice já tinha várias coisas para contar. Havia adormecido nos braços de Morfeu e acordado com todas as respostas trazidas por Ares. Na verdade, as respostas já lhe eram sabidas, mas não as tinha em mãos. E ela era muito pequena para sair anunciando-as. Nem tão pequena assim, mas não podia carregar consigo todas essas inverdades pelo mundo afora. Então toda noite deitava em sua pequena cama e ao colocar a cabeça no travesseiro de mousse pedia para que elas fossem trazidas em sonhos. Mas naquele dia o sonho havia se tornado realidade. E nem fora aquilo que pedira. Sabia que injustiças não ficam impunes. Não neste mundo. Olhou para suas mãos limpas e se alegrou. Nada tinha feito. Sabia que o tempo era o melhor advogava em causa própria, então, aguardou. Uma espera nunca fora tão gratificante. Se fosse o Coelho Branco não o teria feito. Sairia correndo atrás delas com o relógio em punho gritando aos quatro ventos que estava atrasado para “não se sabe bem o quê”. Mas Alice já havia percebido que aquilo tudo só serviria para que mandassem corta-lhe a cabeça. Então se calava. Sabia que mentiras eram viscosas como piche. Quando quente grudam em tudo o que estiver por perto, o cheiro é forte e enjoativo. Depois de frio, só serve para passarem por cima. Mas sua armadura era forte demais para deixar qualquer coisa a abalar. Escondida de dia atrás da lua e pela noite atrás do sol, enfrentava leões e balanças. Submersa em um aquário enfrentou os perigos do mar. Na calada da noite se deparou com um monstro de duas cabeças que urrou ao ser derrotado. Lembrando bem, não urrou. Miou como o Gato de Cherisé. Mas isso já nem importava para ela, que esperou longas primaveras para ser desacorrentada e sentir novamente em seu rosto o calor do sol. Atravessou rios de solidão e estradas de desespero, mas ao passar pelo deserto da sofreguidão encontrou uma garrafa em meio à areia fofa. Cavou raso. Seu vidro verde temperado delatava o conteúdo. Não era rum que continha, mas as respostas para suas infindáveis perguntas. Uma rolha de cortiça bege tampava sua boca e por mais que tentasse abri-la não conseguia. Em volta de toda aquela areia ela já se fazia movediça. E suas esperanças iam sendo sugadas pelos grãos. O sol já estava baixo quando se entregou totalmente após cavar um buraco, o mais fundo que pode. Sentia-se inútil. Possuía em suas mãos o que sempre quis, mas não havia o que fazer com aquilo. Então, de pé, ela segurou a garrafa pelo gargalo e jogou na vala com toda sua força. Ela se manteve intacta. Cobriu-a com toda a areia que havia tirado e sem olhar para trás foi se afastando. Seu rosto suado misturava-se com a areia fina do deserto. Uma lágrima escorreu salgando seus lábios e ela, como uma nômade, seguiu mais uma vez para a terra do sol azul.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Nesse frio...


Tudo o que eu queria era um sol pra esquentar meu corpo e um sorvete de nozes com chantily pra congelar meu coração.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Key


Sentia seu olhar quente em minha nuca, mas não me manifestava. Às vezes suas mãos tocavam com mais força minhas coxas, e percebia que por mais que me esquivasse acabaria me rendendo à seus carinhos. O gosto limpo de seus lábios me tentava a provar o resto de seu corpo. Eu resistia bravamente, assim como o guerreiro do jogo de PS2 que havia acabado naquela semana.
Toda aquela comida e eu só conseguia pensar em qual seria o gosto de seu tórax. Se seu colo era tão suave quanto o toque de seus longos dedos. Seu olhar apimentado despertava ainda mais meu apetite, e eu descontava na cevada toda minha covardia.
Mais uma vez Morfeu me envolveria, mas não deixaria nenhum anjo me tocar.

― Encare o demônio nos olhos! Pensava.
Não adiantava, sentia seu hálito em meu pescoço e suas mãos sobre minhas costas em um leve movimento de sobe e desce. Covarde! Covarde! Se pudesse teria aberto as janelas e me atirado, mas fazia frio e eu trajava um vestido azul da cor de seus olhos. Talvez um pouco mais escuro, mas ainda assim eram da cor de seus olhos.
Envolta em seus braços adormeci. Dormi um sono leve. Ele pareia uma rocha. O barulho do silêncio me atormentava. A luz não deixava descansar meus olhos. Na verdade não me lembro de nenhuma vez que tenha dormido plenamente a seu lado. Enquanto ele dormia tentava decorar os mistérios de seu corpo. Cada movimento. Suas marcas. O compasso de seu coração. A respiração hora forte hora fraca. Quantas vezes se virava e a posição que mais gostava. Em uma cama apertada dormíamos como se fossemos um. E eu não reclamava. Tentava me aconchegar cada vez mais em seu corpo na inútil tentativa de descobrir o que se passava em sua alma.
Na manhã seguinte acordei com um gosto estranho na boca. Ah, se eu soubesse o quanto a covardia era amarga teria escancarado o vidro e me atirado sem me importar com o quanto ventava. Nem a pasta de tuti-fruti conseguiu arrancar de meus lábios o sabor da derrota para aquele falso-puritanismo. Os olhos borrados de rímel anunciavam o início de mais uma manhã. Outro dia havia começado. Eu tinha ganhado a batalha, mas a guerra não havia terminado. Os obstáculos ficavam mais difíceis. Não tinha mais forças, ainda assim resistia a suas carícias. Seus afagos pareciam me acender cada vez mais, e eu nem olhava em seus olhos com medo de ser hipnotizada e me render a seu sexo. Então rezava. E pedia para que o arcanjo não virasse Lúcifer. Para que não cedesse às suas tentações. Embora quisesse, não podia. Então coloquei um cinto na alma e joguei a chave pelo oitavo andar em direção ao mar. E até hoje ele mergulha tentando encontrar a parte de mim que não pode ter.