terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lá Parte I

- Mãe, onde fica aquele lugar que você falou?
- Fica longe filho. Bem longe.
- Mas dá pra chegar de carro ou tem que ir de avião?
- A viagem demora tanto que você só chega se dormir. Tem que fechar os olhos e esperar chegar.
- Mãe, nas férias nós podemos ir até lá. Eu, você, o papai, o Enzo e a Alice?
- Só se você prometer pra mim que nunca vai esquecer que eu te levei lá.
- Tá bom mãe! Eu vou tirar muitas fotos e vou contar pra todo mundo que você me levou lá. Vai ser muito divertido.
- Tenho certeza que você vai gostar.
- Eu já gosto mãe. Adoro quando você fala de lá pra mim. Lá na escola eu contei pros meus amigos e eles disseram que era tudo mentira minha.
- Ah! Por isso você veio me pedir pra te levar lá. Você acha que eu tô mentindo.
- Não mãe, eu sempre acreditei em você. Não acredito nos meninos. Eu sei que lá é de verdade. E como você diz só quem faz coisas boas pode entrar.
- Isso mesmo. E lá quando você faz uma coisa boa o arco-íris aparece. Quando eu fui, ele parecia fazer parte do céu.
- Eu nunca vi um arco-íris.
- Lá tem o tempo todo. E quando chove as gotas caem e você fica todo brilhando. Parecendo um cristal.
- E molha?
- Molha sim filho, mas não faz não frio.
- E tem mar?
- Tem! As ondas são feitas de espuma, você sai todo ensaboado.
- Que legal mãe! E pode levar prancha? Será que o Enzo me empresta a dele.
- Claro filho! E quando você cai forma outra onda pra não deixar você se machucar.
- Queria morar lá. Pode?
- Não filho, não pode não.
- Por que mãe?
- Porque senão você não cresce.
- Mas eu não quero crescer mesmo. Não quero ter que trabalhar que nem o papai. Ele fica o dia todo fora. E também, quando você cresce você morre.
- Quem disse isso filho. Não é só quando cresce que morre, pode morrer em qualquer idade.
- Mas quando cresce morre mais. Mãe, lá as pessoas morrem?
- Não filho, lá ninguém morre. Só aprende a viver melhor e mais.
- E todo mundo conhece lá?
- Todo mundo já conheceu um dia. Mas muitas pessoas esquecem de lá.
- Por que mãe?
- Porque crescem, vivem atrás de dinheiro e coisas materiais e se esquecem dos lugares e das pessoas que amam. E quando vão ver já é tarde e nem se lembram de mais nada.
- Viu mãe, é por isso que eu não quero crescer. Não quero esquecer de lá nem das pessoas que eu amo.
- Não vai filho.
- Mãe, conta a história daquele homem. Conta pra eu nunca esquecer e nunca fazer
igual a ele!
- Conto sim filho, mas amanhã. Já é tarde e você tem que dormir.
- Jura mãe? Jura de coração?
- Juro filho.
- De verdade? Não vai fazer que nem o homem?
- Nunca filho. Nunca.
- Então tá bom. Boa noite mãe!
- Boa noite filho!

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Novo Ano Novo

Alice viu o pôr do sol no ano novo chuvoso;
Colocou uma flor no cabelo;
Deixou no bolso de seu melhor amigo;
Viu pessoas chorar;
Fez alguém derramar lágrimas;
Chorou;
Viu um menino morrer vivo;
Viu outro o consolando;
Fez amigos novos;
Deixou de ligar para uns velhos;
Fez amor em frente a uma igreja;
Entrou na igreja;
Falou com Deus;
Perdoou seus pecados;
Esqueceu de alguém que não merecia ser lembrado;
Percebeu ter perdido muito tempo;
Prometeu nunca mais o fazer;
E viu um sorriso;
Apaixonou-se por ele;
Sentiu o gosto de cevada em outra boca;
Olhou o mar de perto, do alto e de longe;
Sentiu frio na barriga;
E muito calor;
Ficou despenteada;
E vermelha;
Deu risada;
Sorriu;
Novamente;
E mais uma vez;
E agora Alice é só sorrisos;
Podem-se ver as maçãs corar de tanta felicidade;
E os lábios molhados se separarem e darem lugar a alvidez de suas presas;
Os olhos chegam a fechar;
Mas tudo o que ela quer é eles bem abertos;
Para tudo enxergar.

Nada é permanente... Nem mesmo a morte.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Lucky...


Estava um tempo mormacento. Tempo que dava para as crianças brincarem na beira da água. E Alice foi mais para o fundo, pra sentir a liberdade daquele lugar. Deitada em um bote, como se precisasse ser resgatada. Ele veio. Não estava de vermelho como um guarda-vidas, mas parecia querer lhe salvar. Uma lata com um símbolo verde na frente. Um sorriso largo. Óculos escondendo seu olhar. Seu sotaque o denunciava. Simpatizou. Em poucos minutos deu boas risadas. Como ela não fazia há tempos.
Agora o sol caía. Foram horas. Ela nem percebeu. Acho que ele também não. O mar estava calmo. Ouviu Lucky no final da tarde. Na matriz ele estava à sua espera. Uma rosa na mão. Ela desceu. Um pouco tímida. Lhe segurou e foram em direção à multidão. Pés na areia. Fogos no ar. Cogumelos no céu. Dançaram a noite toda. Ela um pouco tonta com todo aquele álcool. Ele sorrindo como se estivesse ouvindo mil piadas. Olhos fumegantes, dizia ele. Ela ria. Ele insistia em vê-la sorrindo. E continuava. A música pára. Ele não. Ela diz que tem que ir. Ele pára de sorrir. O sol já dava as caras. Ela se esconde dele por detrás das lentes. E quando acorda pensa que tudo foi um sonho. Lucky novamente. Não foi sonho. Dr. Mc Dream. Na hora da partida o telefone toca. Ele corre. A balsa parte. Ele acena de longe. Ela ouve um adeus triste. E a promessa de viver novamente um sonho.