quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Back To Black

- Por que fez isso?
Ralhou Alice para a Sombra que batia o pé direito no chão irritadamente, os braços cruzados à frente do tronco denunciavam a reprovação para com aquelas palavras.
- Não lhe pedi ajuda alguma!
A Sombra virou-se dando as costas a ela.
- Tudo bem vai! Sei que você me poupou de sentir dores horríveis, mas nenhuma dor do mundo pode ser mais forte do que essa que estou sentindo agora.
A Sombra virou o rosto um pouco para a diagonal, como se quisesse olhar para a menina que estava sentada em cima de uma pedra.
- Olhe para mim quando eu falar!
Alice levantou e puxou a Sombra pelo ombro para que ela virasse.
- Ai! Minha mão!
A Sombra virou rapidamente para Alice com os olhos arregalados de preocupação. Nada falou.
- Eu posso te tocar? Mas o que aconteceu na verdade? Eu só mastiguei aquelas pétalas que você deixou em cima do criado-mudo quando foi embora! Elas tinham um cheiro doce e eu salivava muito, algo pedia para que eu fizesse aquilo. Essa minha mania de tomar e comer coisas que deixam espalhadas por aí! E quando vejo, estou esticando, diminuindo! Quando eu acordei pensei que...
- Bom, pelo jeito você não quer falar não é mesmo? Só ouvir. Então está bem! Vamos começar!
- Não achei que tinha virado um pássaro. Quando acordei senti uma vontade imensa de voar. Só isso! E você sabe bem que eu nunca tocaria no pó mágico. Sei o que isso me custaria. Além do mais, prefiro manter uma longa distância daquela nanica mal-amada que morre de ciúmes de mim!
- Eu comi as pétalas da rosa negra porque elas pediram isso... Não queria mais sentir meu coração bater. Não dessa maneira descompassada. Não me importo em ser como você. Pelo menos aqui aquele Coelho Branco não pode vir atrás de mim. Aquela Rainha Louca manda cortar a cabeça de todos, menos dele! Uma vez até eu quase fui vítima dela. Quase! Consegui me sair dessa por pouco! Acordei antes que aquelas cartas me decapitassem! Imagina... Minha linda cabecinha! Eu não ficaria bem sem ela, não acha? Além do mais, onde iria guardar tantos pensamentos sem ela? E...
Alice levantou os olhos parando na direção daquele espectro que estava na sua frente. Enquanto falava gesticulava e balançava a cabeça incessantemente, virando para um lado e para o outro como se falasse para uma multidão. A Sombra fazia uma cara de quem estava realmente brava com todos aqueles devaneios da menina.
Alice voltou mais que rapidamente a se explicar.
- Como lhe dizia não me importo em ser como você se não tiver que viver mais com aquelas pessoas. Naquele lugar nada faz sentido. Não acredito no que elas falam. Não gosto do que elas fazem. Como se portam. Quando nos conhecemos as coisas eram diferentes. Eu vivia bem no meu País e você em sua Terra. Não fui eu que te joguei no abismo, você me atirou no meio de todo aquele lodo e pulou em seguida. Eu não conseguia sair de lá. Até tentei voltar para a sua Terra, mas você não fez nada. Afastou-me de você. Me jogou nas garras daquele Crocodilo. E para piorar tudo ele fazia tic-tac. Como se já não bastasse o Coelho com aquele relógio insuportável! Foram meses horríveis, tristes, escuros. Ele conseguiu me levar para aquele pântano e ,eu achava que não podia mais sair de lá. Foi tudo culpa sua. Quando você não fez nada, você acabou me jogando para aquele réptil tenebroso. Argh! Alice piscou e balançou a cabeça em um movimento rápido de quem estava com nojo.
- A omissão também é um crime sabia?
A Sombra olhava para Alice. A menina não conseguia perceber se aquela projeção de gente estava entendendo o que ela estava querendo dizer.
- No começo eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Me confundi algumas vezes. Queria voar alto, mas você deixou ele se alimentar da minha alma. A diferença era de um mês e um nome.
Alice voltou a sentar na pedra. Estava cansada. Havia falado sem parar. As lágrimas rolavam por sua face branca. Seus olhos estavam acinzentados.
- Eu nunca quebraria aquele espelho podendo atravessá-lo.
Alice passou a mão pelo rosto para enxugar o pranto que escorria, mas não sentiu sua pele.
- O que está acontecendo comigo?
A transformação começara a acontecer. Alice estava virando Sombra.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Eu volto...

Alice virou-se estendendo a mão para alcançar o celular. A máscara, ainda sobre seus olhos a cegava, impedindo-a de enxergar onde estava o objeto que emitia um som insuportável. Desligou o aparelho ainda sem ver qual era a tecla correta que tinha que apertar.  Puxou o tapa-olho. A luz que vinha da janela incomodou seus olhos verdes. “Maldita fotofobia”. Colocou o polegar entre seus seios nus. Nenhum batimento. Estendeu o braço e juntando o indicador com o dedo médio pressionou o pulso. Nada sentiu. Fechou os olhos só por alguns segundos para conferir se conseguia escutar o arfar de sua respiração. Nenhum barulho. Seu plano havia dado certo. Virou apenas para a esquerda, fazendo seus pés frios que estavam na mesma temperatura do porcelanato tocar o chão. Levantou o tronco e foi em direção a prateleira de mármore que ficava na frente da sua cama. Passou a mão pelos bibelôs que ficavam lá parados, velando seu sono. Parou o dedo em sua mais nova aquisição. Contornou os lábios de uma das pequenas estatuetas, que a olhavam timidamente, com a ponta do indicador. Tirou-a cuidadosamente do lugar para não esbarrar nas demais. Sem mirar, a arremessou pela janela. Do sétimo andar ouviu o estilhaçar da porcelana no solo. Fez o mesmo com as outras. Cada vez com mais força. Quando chegou a hora da última se chocar com o chão, deu um impulso o mais longe que pode com o braço, mas não arremessou. Com passos curtos e lentos se aproximou da janela escancarada. Posicionou sua mão direita, que guardava a estaueta, em cima de seu seio esquerdo. O vento balançava as cortinas estufando-as. Sentou no parapeito. Os dedos longos espremiam o boneco com tanta força que pode sentir a cerâmica partindo no meio da palma de sua mão. Logo suas unhas pintadas de branco se misturam ao vermelho de seu sangue. Olhou para trás. Fechou os olhos o mais forte que pode. Disse algo baixo, quase sussurrando e, saltou para o nada.