terça-feira, 11 de novembro de 2008

Aqui jaz...

Ele ainda não sabe, mas o matei. Sem dor. Mentira. Doeu. Mas sofri calada. Ele nem pode esboçar sinal algum. Joguei terra fofa sobre seu corpo para ter certeza que não voltará. E um lírio branco, como pedido de desculpas. O mar se pintou de vermelho. O céu de cinza e a lua nem apareceu para presenciar o que os anjos desaprovaram. Eles choraram. Uma chuva forte e duradoura caiu durante o cortejo. Nem parecia verão. Toquei a marcha fúnebre. Ninguém ouviu. Mas fiz questão. Ele escutou. Tenho certeza. O enterrei perto do oceano. Como queria. As pestanas arroxeadas cobriam o que ele tinha de mais bonito. As mãos cruzadas sobre o peito nú. Pela última vez toquei seus lábios com os meus. Eles ainda pareciam me querer. Tinham cheiro de limpeza. Como da última vez que o vi. Moedas não lhe faltarão para dar ao barqueiro do Rio Lete. Mas somente duas é o que lhe entregará. Essas eu já coloquei em seu bolso. Para garantir que não vai vagar por aqui. E o poupar de sua mesquinhez. Em pensar que esse é o real motivo. Mas agora “Inês” já é morta. E nada importa mais. Há dois dias enxerguei no céu o que aconteceria. O dourado anunciava. Os fogos clareavam o horizonte e uma fumaça negra tomou as nuvens brancas. E tudo parecia diferente. As flores não tinham mais perfume. Isso o agradava. O algodão doce cor-de-rosa empalideceu. A maçã do amor derreteu em minhas mãos. Não ouvia o barulho das crianças brincando, nem tão pouco as ondas batendo nas pedras. Ele realmente havia ido para nunca mais voltar. Em sonhos quem sabe. Mas nem assim o quero. Não quero o que não posso ter por completo. De corpo e alma. E ele se dava mais de corpo que de alma. Eu que sou pura essência sentia falta. Às vezes ainda penso nele. Como ontem. O dia estava tão bonito. E azul. Mas deixei o pensamento se esvair. E o vi pulando pela janela. Estávamos no oitavo andar, mas ele nem se machucou. Só se foi. Ainda bem! Agradeço aos céus por isso. Ontem uma forte tempestade varreu tudo o que havia ficado para trás. Senti uma lágrima escorrer. Limpei. E hoje amanheceu tudo claro. Eu vibrei. Nem foi tão ruim. Pensava que seria pior. Mas não foi. E tudo o que eu quero é uma boa xícara de café para me manter acordada. Sem correr risco de sonhar. Não quero o que não me pertence. Biscoitos ficam melhores recheados. Eu prefiro. Ele nem liga. Mesmo assim não me agradam. Ele come. Eu assisto. Mas nada mais interessa. O importante é que quando as queimas começarem, ele estará sete palmos abaixo da terra. E eu, pulando sete ondas nem o desejarei ter no ano que começa.

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