sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Mentiras sinceras não me interessam...

O sol nem havia se posto direito no horizonte e Alice já tinha várias coisas para contar. Havia adormecido nos braços de Morfeu e acordado com todas as respostas trazidas por Ares. Na verdade, as respostas já lhe eram sabidas, mas não as tinha em mãos. E ela era muito pequena para sair anunciando-as. Nem tão pequena assim, mas não podia carregar consigo todas essas inverdades pelo mundo afora. Então toda noite deitava em sua pequena cama e ao colocar a cabeça no travesseiro de mousse pedia para que elas fossem trazidas em sonhos. Mas naquele dia o sonho havia se tornado realidade. E nem fora aquilo que pedira. Sabia que injustiças não ficam impunes. Não neste mundo. Olhou para suas mãos limpas e se alegrou. Nada tinha feito. Sabia que o tempo era o melhor advogava em causa própria, então, aguardou. Uma espera nunca fora tão gratificante. Se fosse o Coelho Branco não o teria feito. Sairia correndo atrás delas com o relógio em punho gritando aos quatro ventos que estava atrasado para “não se sabe bem o quê”. Mas Alice já havia percebido que aquilo tudo só serviria para que mandassem corta-lhe a cabeça. Então se calava. Sabia que mentiras eram viscosas como piche. Quando quente grudam em tudo o que estiver por perto, o cheiro é forte e enjoativo. Depois de frio, só serve para passarem por cima. Mas sua armadura era forte demais para deixar qualquer coisa a abalar. Escondida de dia atrás da lua e pela noite atrás do sol, enfrentava leões e balanças. Submersa em um aquário enfrentou os perigos do mar. Na calada da noite se deparou com um monstro de duas cabeças que urrou ao ser derrotado. Lembrando bem, não urrou. Miou como o Gato de Cherisé. Mas isso já nem importava para ela, que esperou longas primaveras para ser desacorrentada e sentir novamente em seu rosto o calor do sol. Atravessou rios de solidão e estradas de desespero, mas ao passar pelo deserto da sofreguidão encontrou uma garrafa em meio à areia fofa. Cavou raso. Seu vidro verde temperado delatava o conteúdo. Não era rum que continha, mas as respostas para suas infindáveis perguntas. Uma rolha de cortiça bege tampava sua boca e por mais que tentasse abri-la não conseguia. Em volta de toda aquela areia ela já se fazia movediça. E suas esperanças iam sendo sugadas pelos grãos. O sol já estava baixo quando se entregou totalmente após cavar um buraco, o mais fundo que pode. Sentia-se inútil. Possuía em suas mãos o que sempre quis, mas não havia o que fazer com aquilo. Então, de pé, ela segurou a garrafa pelo gargalo e jogou na vala com toda sua força. Ela se manteve intacta. Cobriu-a com toda a areia que havia tirado e sem olhar para trás foi se afastando. Seu rosto suado misturava-se com a areia fina do deserto. Uma lágrima escorreu salgando seus lábios e ela, como uma nômade, seguiu mais uma vez para a terra do sol azul.

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