segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Amiúde

Ela foi se afastando devagar. Virou a cabeça pras trás mais umas vez para guardar na memória todo aquele brilho. Não sabia quando o avistaria novamente. Se o avistaria novamente. Ele parecia maior. Não mais alto, nem mais gordo. Mas maior. Por trás daquelas lentes nada havia mudado. E ela só pensava em como havia sido bom. Subiu as escadas o mais rápido que pode. Parecia estar fugindo dele, quando tudo o que queria era ficar mais um minuto ao seu lado. Adentrou a casa já aos prantos. Ninguém a escutaria mesmo. A não ser a cachorra que se encontrava no mesmo lugar de sempre. Ela que jurou nunca mais chorar. Bem que a avisaram que nunca era muito tempo. Mas ela, teimosa não acreditou. A voz doída se fez ouvir. Mas não a podiam escutar. Ela nem gritava para isso. Só chorava. Chorava só. E ouvia a música. Foi até a área e pegou sua toalha como quem percorre o corredor da morte. O banho era necessário, mas contrariava sua vontade. Queria que tudo aquilo ficasse impregnado em seu corpo, assim como já estava em sua alma. Deixou a água escorrer por uns cinco minutos como se o calor fosse remover toda aquela dor e saudade que sentia. Ensaboou o corpo como se pudesse arrancar todos aqueles bons momentos. Sabe-se lá mais quanto tempo teria que esperar para isso. Então preferia tirar toda a felicidade de sua alma e acinzentar seus dias. Não queria dormir sentindo seu gosto, nem seu cheiro. Aquilo a perturbava. Mas ela se rendia a tudo. Não conseguia se controlar. Ela que sempre dominou, manobrou sua vida. Sentia-se como um carrinho de controle remoto em suas mãos. Até gostava. Não entendia, mas gostava. Ela teve a chance de falar. Mas calou mais uma vez. Queria gritar, fazer os quatro cantos do mundo saberem o que ela sentia. Mas suas cordas vocais não a obedeceram. Nem precisava fechar os olhos para sentir suas mãos percorrerem seu corpo. Ela simulava no banho os movimentos feitos por ele. Como se seus pequenos dedos pudessem desenhar em seu corpo o mapa que ele havia tatuado.
Fechou o registro e se enrolou na toalha. Pegou sua escova e com todo aquele doce, tirou de sua boca qualquer vestígio do prazer que havia sentido. Ela ainda chorava. E a maquiagem escorria como as gotas de cera de uma vela em chamas. Ela estava em chamas. Ele havia voltado para onde nunca devia ter ido. Longe do oceano a vida era mais triste, acreditava ela. Ela ficava mais triste. E ele nem percebia. Ela só queria roubar um pouquinho de sua alegria. Repetia em sua cabeça todos os movimentos. Todos os olhares. Todos os sorrisos. Todas as palavras. Repetia para não esquecer. Como se pudesse controlar. Não podia, mas fingia poder. Colocou qualquer roupa, só para expelir o frio de sua pele. Nada que havia sido dele seria de outra pessoa. Passou o batom, ele não gostava, mesmo assim ela passou. Já não faria diferença.
Então, à noite quando ela conseguiu deitar e colocar sua cabeça no travesseiro rezou para que ele sentisse logo saudades do mar.

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