quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pequena Notável

Mantinha seus olhos negros fixos na faixa de cetim preto com bolinhas amarelas. Igual ao biquíni de Ana Maria na música de Celly Campello. Seria o brilho do cetim ou a mecha de cabelo dourada que a atraia tanto? Como podiam ser tão expressivos se nem completara 120 dias no mundo? Suas pernas cambaleavam como a de um bêbado ao final de uma noite passada no balcão de um bar bebendo a cachaça mais barata, apesar de nunca nem mesmo ter sentido o cheiro do álcool. As mãos balançavam ao som de ruídos indescritíveis. Dançava sem música, seus olhos brilhavam e sua boca abria e fechava como se quisesse me sugar com os lábios, como se eu a pudesse alimentá-la com o olhar. Entre um grunhido e outro babava em minhas mãos. Mas não sentia nojo. Como poderia ter asco da saliva de um ser tão puro e fraco, quem nem ao menos consegue se alimentar sozinho. Escancarava um sorriso cor-de-rosa. Nem havia contado uma de minhas piadas sem graça para ela retribuir com tal gesto. Mas ela o fazia. E não se cansava disso. E eu achava aquilo tudo lindo. E inexplicável.
Quando pequena nunca brinquei com bonecas. Achava-as sem graça, não sabia o que fazer com aqueles seres inanimados feitos de plástico duro sem nenhum esplendor no olhar. Algumas até vinham com mamadeiras e carrinhos, não via propósito em dar alimento a elas se não espumariam nem se encantariam com a copa de uma árvore. Então as deixava para minha irmã mais velha, e com o passar do tempo parei de ganhá-las. Passei a montar quebra-cabeças. Gigantes. Juntava as peças tentando encontrar explicações para aquelas figuras. Uma mais estranha que a outra. Até tinha um com desenhos de seres submarinos de um desenho animado que no momento não me recordo o nome. Mas lembro-me perfeitamente das cores. Um azul-piscina de fundo (se bem que era no mar), o rosa-chiclete e o laranja ficavam ao lado direito, o verde juntamente com o roxo ao centro e do lado esquerdo uma nave. Nunca entendi o motivo daquela nave no fundo do mar. Montei pelo menos duzentas vezes para tentar descobrir, mas foi inútil. Cansei-me e passei a entender de paisagens. Essas sim valiam à pena. Descobri tudo sobre elas. Cada segredo, cada minúcia, cada particularidade daqueles cenários imensos que sonhava um dia conhecer e tocar com minhas mãos.
Lá pelos meus quinze anos descobri o quanto as bochechas eram suculentas e como podem ser saudáveis as baboseiras que elas nos contam. Que um simples olhar pode alimentar a alma por dias e que um sorriso pode hidratar a pele mais seca e enrugada.
Senti um vento soprando a paz até mim. Os olhos de jabuticaba se fecharam e suas mãozinhas pararam de chacoalhar, as pernas nem trançadas ficaram. Seu peito subia e descia em um gentil movimento de respiração. Como se não bastasse, com toda a graciosidade ela adormeceu.

2 comentários:

  1. Que história Linda!!!!

    Vc escreve muito bem, vc dá vida no q escreve é uma Escritora Notável, mas sei bem quem faz parte de sua história.

    Bjosss Lílian.

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  2. Obrigada Lí... É q as vezes eu preciso colocar pra fora o q me sufoca!!!

    Bjoss

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