segunda-feira, 8 de setembro de 2008

E nas meninas.

Eu já nem o reconheço mais. Parece até outra pessoa. Como se um espectro negro houvesse possuído seu corpo e o dominasse. Olhos pálidos. Esses ainda são os mesmos. Mas o brilho já não existe mais, nem o olhar menino que existia na menina dos olhos. Tudo se foi. Só massa e músculos. Como se tivesse que carregar nos braços o peso de um sentimento interrompido. Queria ouvir falar de desenhos e jogos, as doces besteiras e as frases perfeitas em inglês. Mas nada disso existe mais, se foi como uma quente noite de verão, com uma quente noite de verão. Se bem que chovia naquele dia. Não era uma tempestade, mas uma chuva fina, como se os anjos não aprovassem o que estava acontecendo e chorassem por isso. Nada mais posso fazer. O avisei o mal que aquele veneno causaria. Mas como uma criança ele não me ouviu.
― Não coloque o dedo na tomada! E foi exatamente o contrário que ele faz. O choque foi certeiro. O arrebatou, me arrebatou.
E Ele que era apenas um menino, inocente como um anjo. O meu anjo.
Em suas veias posso ver correr a mais peçonhenta substância negra. Não como o céu em uma noite de lua minguante, mas como as águas turvas
do Tietê.
Todos esses anos e é como se nunca houvéssemos nos conhecido. As vestimentas são as mesmas. A mesma camisa branca sob o moletom cinza grafite. A mesma calça jeans caída. O mesmo tênis com o maior laço que já vi alguém dar. Mas o cruzar de braços, esse não consigo reconhecer. Não sei dizer onde aprendeu caretas tão feias. Pra que caretas se possui os dentes brancos sem nenhuma cárie? Antes não cansava de exibir a alvidez de suas presas escovadas com a mais infantil pasta. Maldito costume! Tão maldito que não consigo me livrar dele até hoje. Por isso passo longos minutos escovando os meus. Sento na cama, olho para a TV, vou até o corredor, olho no espelho, escovo mais um pouco, cuspo. E então coloco novamente o creme na escova, só para sentir mais uma vez o gosto de sua ingenuidade. Mas por que tudo isso se ela se foi sem aviso prévio? Sem avisar que no dia seguinte não escutaria mais seu ronco baixo nem sua respiração forte em meu rosto. Nem o beijo antes de colocar a máscara. Vai ver foi por isso. A máscara. Eu nunca me livrei dela. Aliás, foi por causa dele que comecei a usá-la. Talvez fosse diferente. Mas como saberia. Se ele quisesse eu descobriria a cura. No rótulo diz que a morte é lenta, lenta mas certa. Mas ainda assim eu tentaria. Por Ele eu tentaria. Daria vida novamente às meninas. Voltaria a reconhecer o cruzar de braços e o sorriso mais lindo que já vi em toda a minha vida. E o humor. Só um quadrúpede carnívoro doméstico conseguiu o tirar. Ah, e um vestido decotado que nunca mais usei. Não precisava, já não havia mais a quem afrontar. Ainda o guardo. O vi um dia desses no armário. O tecido é gelado e negro, esse sim como a noite. Mas muito vulgar para mim. Antes não entendia, mas depois do brilho azul tudo ficou claro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SOMENTE PARA QUEM TEM CORAGEM DE SE IDENTIFICAR... O MUNDO É CHEIO DE COVARDES!